Com a falta gritante de habitação que atravessamos, e com a chegada do programa do PRR, instalou-se a discussão sobre como organizar, financiar e construir casas da forma mais rápida e eficiente. Incluído neste comportamento mexe-se e altera-se na legislação para facilitar licenciamentos e autorizar construção habitacional em qualquer lado, sem restrições. No entanto, não se entende que o foco deveria estar muito mais nas pessoas e nos programas habitacionais, do que nas meras quantidades e métodos de construção. Não que estas questões sejam irrelevantes, mas precisamente porque são elas que, no futuro, reflectirão o acerto — ou o erro — nas opções que agora tomamos. Percebo que este tema pareça pouco dizer à discussão, especialmente numa época em que as gerações estão cada vez mais distantes dos valores conceptuais e cada vez mais voltadas para os valores pragmáticos.
Compreendo a nossa “Esquerda” política, que ainda hoje se refugia nos velhos argumentos das “lutas de classes” e defende fervorosamente os bairros sociais, como se fossem o bastião da justiça urbana. Não percebem, porém, que muitos desses bairros são autênticas nódoas na paisagem urbana, talvez um dos maiores erros do urbanismo moderno. Bairros que se caracterizam por espaços monofuncionais, de qualidade ambiental medíocre, construídos à pressa e com o mínimo de qualidade. Obrigam em gastar dinheiro continuamente neles, sempre para as eternas “obras de recuperação”, sem qualquer verdadeira visão de transformação.
O crescimento urbano passado levou à construção das “ilhas” e, mais tarde, dos bairros camarários — sempre longe, sempre isolados, uma tentativa deliberada de esconder a “pobreza” nos confins das cidades. Hoje, as cidades estão saturadas de bairros que mais parecem vazios da malha urbana, espaços que se desligam do resto, onde os habitantes se habituaram a uma espécie de auto-exclusão, quase uma vergonha de lá viver. Importa, contudo, recordar que nem todos os bairros sociais são iguais, nem os seus habitantes formam uma massa homogénea. Seria mais do que justo, e mais do que necessário, promover uma verdadeira integração dos cidadãos em todos os espaços da cidade.
Se pudesse propor uma solução para os bairros sociais, seria a de tentar erradicá-los tal como estão, transformando-os em zonas de uso misto, integrando-os em núcleos urbanos variados e distribuindo parte da população para outras áreas — e não apenas para a periferia. Qualquer espaço é válido, desde que passe pela diversidade de classes e funções urbanas. Evidentemente, estas soluções não devem ser impostas com tirania, nem envernizadas com paternalismo. A tirania de mandar e desmandar, sem ouvir as populações e sem construir um programa de trabalho conjunto, é o erro clássico que arrisca repetir-se. Quanto ao paternalismo, bem, é aquele que assume que os “mais desfavorecidos” não têm condições ou capacidade de escolha – e que, por isso, alguém tem sempre de decidir por eles.
A responsabilidade está, em última análise, nas Câmaras e no Estado, que se por um lado devem promover a construção de habitação, por outro devem facilitar aos privados a mesma possibilidade. Que devem permitir que o mercado de arrendamento seja uma realidade, dando lugar ao investimento e à poupança, no lugar de ser a obra social que o Estado obriga no congelamento das rendas. E deveria ainda o Estado tomar posse dos inúmeros edifícios devolutos, não com autoritarismo, mas em parceria com os proprietários que não podem e não conseguem intervir, transformando a sua propriedade num qualquer direito patrimonial. Esses prédios devolutos, muitos deles, seriam oportunidades ideais para reabilitar e recriar quarteirões, transformando por fim a cidade. Devíamos todos afinar a discussão e acertar as vias mais correctas para promover a Habitação.
Há uma urgência habitacional, sim, mas é a de resolver este paradoxo de isolamento e desigualdade e, com ele, transformar de facto a vida das pessoas.
Metro do Porto: O Serviço Público que se serve a si mesmo
A Metro do Porto começou as suas obras em 2002. Já lá vão 22 anos. Desde então, é óbvio que as suas intervenções têm incomodado, e muito, as zonas onde operam. Não só quem por lá circula, mas principalmente os residentes e quem trabalha na área. Comerciantes e serviços foram gravemente afectados, alguns até tiveram de fechar portas. Tudo isto foi feito, dizem-nos, em nome do bem comum: para implementar um sistema de transporte público que vem tapar o buraco que os actuais transportes da Área Metropolitana do Porto deixaram escancarado. E, de facto, a cidade já teve transportes públicos de topo – nos anos 20 até aos 70, funcionava uma rede de eléctricos, tróleis e autocarros que era invejável. Depois, não sei bem a quem devemos culpar, mas conseguiram desmantelar essa rede excelente e, ao longo de várias opções e experiências falhadas, arruinaram um serviço que até então cumpria.
A construção do Metro do Porto exigiu de todos nós um investimento significativo, tanto em termos financeiros quanto em qualidade de vida. No entanto, a sensação é de que as decisões ao longo dos anos foram tomadas sem levar em conta as necessidades e as opiniões dos cidadãos. A ausência de diálogo e a imposição de soluções prontas demonstram um distanciamento entre a empresa e a população, gerando um sentimento de frustração e desconfiança. Quem decide não ouve nem os autarcas, muito menos os cidadãos. Imbuídos de financiamentos europeus, com a promessa de fazer infraestruturas e reabilitar o espaço urbano, impõem ditatorialmente as suas escolhas, não ouvem o Planeamento e as câmaras, em vez de se insurgirem, acabam por consentir. Quanto aos cidadãos, coitados, que pouco ou nada percebem de transportes, o melhor mesmo é ficarem caladinhos. Afinal, os “especialistas” têm sempre razão – e quem somos nós para questionar os génios que nos dão filas e obras intermináveis como presente?
Assim se passaram 22 anos. Conseguimos, de facto, um novo sistema de transportes, embora apenas uma pequena parte seja digna desse nome e esteja subterrânea. O resto é um “light rail” que se replica em várias cidades do mundo, mas que lá fora convive com os outros meios de transporte, sem asfixiar artérias centrais como a Avenida da República, em Gaia, ou a Brito Capelo, em Matosinhos.
Agora, a cereja no topo do bolo é o “Metrobus”. Um projecto cujas vantagens ainda ninguém conseguiu explicar, cujas obras “acabadas” são um exemplo perfeito da falta de planeamento e execução, e cuja forma de financiamento assenta num investimento astronómico, que culmina com a construção de uma central de hidrogénio que à data nem sequer começou. E, tal como no resto, o Metro não ouve nem as queixas da autarquia, nem o “gozo” da população. Isto tem um nome que fica muito mal numa empresa pública: prepotência.
Entretanto, as obras da linha Rosa e da linha Rubi seguem em frente. Mais um exemplo desta mentalidade de imposição. Atrasos de mais de um ano na linha Rubi? Claro, e ninguém dá uma explicação.
A linha Rosa, por outro lado, tem sido a menina dos olhos da empresa, com direito a toda a sua propaganda. Até inclui uma ponte! Mas o pior é que, tal como de costume, os projectos nunca são o que parecem. Mostram-nos um esquisso inicial e depois, no final, apresentam-nos uma obra completamente diferente.
Sobre a nova ponte D. Antónia Ferreira, destinada ao Metro e aos peões, nem vou discutir a sua necessidade ou a sua utilidade – o serviço aqui implantado devia estar na VCI, que um dia, mais cedo ou mais tarde, terá de ser transformada numa avenida urbana. Mas isso, infelizmente, é um assunto batido, que repito vezes sem conta. Contudo, neste caso específico, e face aos acontecimentos, é uma batalha para outra altura.
A ponte, tal como está planeada, teria como função a cumprir: servir os transportes públicos – Metro, os meios de transporte leves – trotinetes, bicicletas, e os peões. Só que o Metro decidiu mudar os planos. Após ter apresentado umas imagens em 3D do encontro da ponte com as margens, onde representava do lado do Porto uma praça, esplanada e um elevador, assim como do lado de Gaia igualmente uma praça e um elevador, agora os elevadores nos pilares da ponte, que permitiriam o acesso fácil às populações ribeirinhas, foram riscados.
Vamos então entender a brilhante lógica por detrás desta decisão. As populações de Massarelos até à Cantareira e, claro, os habitantes da Afurada, não têm acesso à ponte pedonal, porque o Metro assim o decidiu, na sua infinita sabedoria. Mas não se preocupem, há uma alternativa fantástica: subir uns modestos 80 metros de altura, dar um pulinho ao Arrábida Shopping ou ao Shopping Cidade do Porto, fazer umas comprinhas — porque o exercício abre o apetite para consumir — e só depois, devidamente carregados com sacos, seguir em direcção à ponte.
Mas então, para quem é este “serviço público”? Porque, ao que tudo indica, não é para as pessoas. É uma empresa que se serve a si própria, de maneira tirana e arrogante, como se as necessidades dos cidadãos fossem um mero incómodo. E as autarquias? Estarão ao corrente disto? Mesmo com as suas queixas e exigências na Assembleia Municipal, será que vão continuar a consentir este teatro? Será preciso que sejamos nós, os cidadãos, a sair novamente à rua, como fizemos com o Metro da Boavista? Ou será que ainda há esperança de levar este Metro a uma verdadeira mesa de diálogo? __ (publicado no Jornal de Notícias de 2024/11/02)
1. A FNAC da Rua de Santa Catarina fechou para dar lugar a uma loja Primark, e não parece haver planos para reabrir noutra localização. Ao contrário de Aveiro e Lisboa, a cidade do Porto ficará sem qualquer loja FNAC no centro. A partir de agora, só estará presente nos centros comerciais. Mesmo ali ao lado, a Livraria Latina também vai encerrar. Fundada nos anos 40, renasceu em 2005, passou para a Leya em 2010, e, com a mudança de controlo da própria Leya, a livraria será agora encerrada, tal como o restante grupo, excepto em Lisboa. Na Rua de Santa Catarina, restará apenas a minúscula Bertrand, escondida dentro do Via Catarina.
2. A FNAC sempre foi criticada por ter contribuído para o desaparecimento das pequenas livrarias e lojas de discos. Não tenho a certeza se esse argumento se sustenta, mas deixemos essa discussão para outra altura. Outra crítica frequente é a de que a FNAC passou a vender de tudo menos livros. Concordo parcialmente. A primeira vez que vi uma batedeira à venda numa FNAC, ergui a minha sobrancelha direita até aos píncaros. No entanto, entre a parafernália, os livros estavam lá. Parece-me claro que faz todo o sentido uma cidade como o Porto ter, no centro, uma loja-âncora que ofereça um serviço abrangente, capaz de atrair diferentes públicos e faixas etárias. O meu próprio exemplo, como pai, ilustra isso: muitos livros da Xica foram comprados na FNAC, e, por arrasto, também alguns dos meus. Não me parece irrelevante o facto de funcionar como um equipamento cultural, oferecendo uma sala para apresentações, debates e conversas. Este tipo de serviço, intergeracional e multidimensional, só uma grande superfície consegue oferecer. As livrarias independentes ou especializadas complementam esta oferta, mas focando nichos específicos.
3. Com o encerramento da FNAC e da Latina-Leya, a oferta livreira fora dos centros comerciais torna-se mais pobre, pois deixa de existir um espaço acessível ao grande público. O que nos resta? Um conjunto de lojas de livros, livrarias independentes e especializadas. Deixo aqui um mapa com as opções existentes (se me esquecer de alguma, avisem). Faço uma distinção entre lojas de livros e livrarias: uma loja de livros é um ponto de venda, muitas vezes integrado num grupo maior, onde os livros são escolhidos de forma centralizada, frequentemente como resultado de contratos entre as redes e as editoras, privilegiando os bestsellers. Não existe trabalho de curadoria; os “livreiros” limitam-se a repor stock. A FNAC era um exemplo claro disso. Já as livrarias propriamente ditas são geridas por livreiros que fazem selecções baseadas em linhas temáticas ou ideológicas próprias, moldando as suas prateleiras ao perfil dos clientes e mantendo a capacidade de os surpreender. Aviso desde já que a Lello já nem sequer é para aqui chamada porque há muito que mudou de ramo.
Seguem algumas das opções restantes:
I. Lojas de Livros:
Bertrand: Duas pequenas lojas no centro, uma no Via Catarina e outra na Rua da Fábrica. Uma loja maior no Shopping Cidade do Porto. A Bertrand é igual em todo o lado e apenas pela dimensão se distingue uma loja do outra. Não apresentam lá grande dinamismo na programação de atividades.
Almedina: Na Rua de Ceuta, uma loja que vale sempre a pena visitar, sobretudo por quem procura livros jurídicos, mas creio que já teve melhores dias. Dantes, a cave era um lugar onde se podiam encontrar alguma coisas interessantes..
Imprensa Nacional: Mais um depósito de edições da INCM do que uma livraria tradicional, mas útil. Fica na Cândido dos Reis.
Livraria da Universidade do Porto(Reitoria): Outra espécie de depósito, desta vez da UP, sem o alcance de uma verdadeira livraria académica.
II. Livrarias:
Unicepe – Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto: Fundada em 1963 e, por isso, é a decana das nossas livrarias. É uma das melhores e mais completas livrarias do Porto. A organização das estantes por editora pode dificultar a tarefa a quem está habituado à organização por temas, mas o fundo de obras é uma bela mistura de novidades, de edições já com umas décadas, de editoras independentes e editoras mainstream. A própria livraria desenvolve atividade editorial e tem um intenso programa semanal de atividades. Qualquer um pode tornar-se sócio. Não só pelos descontos, mas também para apoiar esta casa que é caso único no panorama nacional. É bastante central, fica por ali aos Leões.
Flâneur: Para mim, neste momento, a melhor livraria da cidade. Apesar de se tratar de uma livraria generalista, os títulos são criteriosamente seleccionados. É bem visível o dedo de livreiro. Atrevo-me a dizer que não vendem livros maus. Para além disso, também é editora e o catálogo é uma coleção de pérolas (fiquei tão contente quando vi que tinham traduzido e publicado Edmond Jabès…). Fica ali para os lados da Casa da Música, na Rua Fernandes Costa..
Exclamação: é outra livraria que não faria má figura em qualquer parte do mundo. Uma excelente livraria, onde também é visível o critério na escolha dos títulos. Fica por ali, na Rua Aníbal Cunha, perto da igreja de Cedofeita. E também é editora (publicou, por exemplo, a poesia completa do Joaquim Castro Caldas, um nome que deveria dizer alguma coisa a muita gente do Porto por ter carregado as noites de segunda-feira no Pinguim)
Térmita: (na porta ao lado do Candelabro) é uma pequena livraria cheia de personalidade. Não é muito habitual o livreiro, durante o pagamento, demorar-se um instante com um livro e observar: «Fui eu quem escolheu este.. Leva aí um belo livro». Também costuma ter atividades paralelas.
Socorro: Na Rua Guedes de Azevedo, na Baixa, a Socorro assume a sua dupla natureza de “record store” e “bookstore”. Não é nada má, embora precise de alimentar o fundo. Tem sempre algumas edições de autor e de pequenas editoras independentes, a par de uma oferta mais canónica. O espaço é extraordinário.
Gato Vadio: agora na Rua da Maternidade, esta livraria militante mantém um programa de atividades regular e apresenta uma oferta de qualidade, embora um pouco limitada. Mantém uma boa programação, mas uma oferta limitada.
Livraria Utopia: Continua a ser uma boa opção para encontrar alguns títulos mais difíceis de encontrar ou por estarem fora de circulação ou a de distribuição difícil. É, sobretudo, uma livraria militante, com uma oferta de de autores do campo libertário. Fica na Rua da Regeneração.
Essência do Livro: Na Rua da Alegria, frente à escola Augusto Gil, a Essência do Livro – Livraria Urbana é uma boa surpresa. Espaço amplo recheado de um misto de fundos editoriais, novidades e alfarrabistas. É notória a oferta da editora portuense Book Cover.
Livraria José Alves: situada no gaveto Rua de Avis/Rua da Fábrica, que apesar de generalista, apresenta um perfil mais técnico, herdado, talvez, do tempo em que os estudantes deambulam pela Baixa.
III. Livrarias especializadas:
Livrarias especializadas em livros estrangeiros: Rosebud (Inglês) em Cedofeita, Varenka (Russo e Inglês) na Rua do Almada; Ma Petit Libraire (Francês) no C. C. Campo Alegre com oferta de literatura infantil e a Bücherstube (Alemã) na Guerra Junqueiro. Nota-se que, ao contrário de Lisboa, não existe no Porto qualquer livraria dedicada ao mundo hispânico ou uma livraria francófona generalista e, sobretudo, não temos uma livraria como a excelente Livraria da Travessa, que existe em Lisboa, que nos facultaria acesso direto ao imenso universo editorial brasileiro..
Na Rua do Paraíso, encontramos a Livraria Aberta, a primeira livraria queer do Porto e uma seleção muito criteriosa de títulos que acaba por extravasar, aqui e acolá, o âmbito estrito do campo queer.
Na rua dos Bragas temos aTrama, uma livraria improvável porque concentra a sua atenção no pensamento e filosofias contemporâneas. Apesar de pequenina, apresenta um poderoso leque de edições em várias línguas (português, espanhol, francês e inglês). É impossível sair dali de mãos a abanar. O Pablo tem sempre sugestões de leitura.
Tive algumas dúvidas se a Matéria Prima, encaixaria aqui ou não. Na verdade, trata-se mais de uma loja com livros, juntamente com uma parafernália de adereços vários, discos, revistas e zines. Acabo por considerá-la como livraria (apesar de não se considerarem como tal) especializada num sector muito específico das artes e cultura urbana.
Livraria da Ordem dos Arquitectosna Álvares Cabral, como seria de esperar, é especializada em arquitectura. Apenas os arquitectos têm direito a desconto.
Circo de Ideias é uma livraria especializada em arquitectura localizada no icónico Bairro da Bouça (Siza Vieira). Para além de livraria, é também editora, galeria e organiza eventos.
E, por último, a jóia da coroa: a Poetria, a livraria especializada em poesia e teatro fundada por Dina Ferreira, tendo há já algum tempo passado de mãos (para boas mãos) e, por vicissitudes dos tempos que correm nesta cidade, mudado de instalações para a Sá de Noronha.
4. Considerações Semifinais:
Lojas de livros à parte, focando apenas nas livrarias, o mercado livreiro apresenta características muito próprias, com pontos fortes e fracos que merecem atenção. A minha análise aqui baseia-se, sobretudo, numa perspetiva de consumidor, pelo que outros aspetos poderiam ser identificados através de uma avaliação mais detalhada ou com trabalho de campo.
Pontos fortes:
Diversidade e qualidade da oferta: As livrarias apresentam um leque editorial muito vasto, que cobre desde grandes editoras até pequenas independentes, garantindo que o consumidor tem acesso a uma variedade impressionante de livros.
Integração com editoras: Muitas livrarias funcionam também como editoras, oferecendo uma produção própria que complementa o portfólio disponível e cria uma identidade única.
Dinamismo cultural: Além de vender livros, muitas livrarias apostam em programações paralelas como lançamentos, debates, leituras e outros eventos culturais que contribuem para a vitalidade da oferta cultural.
Curadoria especializada: O papel do livreiro como curador é uma mais-valia. Os seus conhecimentos permitem uma seleção criteriosa que orienta o leitor e valoriza a experiência de compra.
Presença de novos projetos: A emergência de novos projetos livreiros é um ponto positivo. Muitos desses novos estabelecimentos têm ainda um longo caminho a percorrer e um grande potencial de crescimento.
Pontos fracos:
Imaturidade de alguns projetos: A juventude de certas livrarias pode representar uma fragilidade. Muitas ainda não atingiram uma fase de maturidade necessária para consolidarem o seu espaço no mercado.
Sustentabilidade económica limitada: Algumas livrarias parecem depender mais da paixão e militância dos livreiros do que de um plano de negócios sólido e bem estruturado, o que pode comprometer a sua longevidade.
Pequenas instalações e oferta limitada: Muitos espaços são fisicamente reduzidos, o que limita a quantidade de livros que podem expor e vender.
Dispersão geográfica: Há uma grande dispersão territorial, com muitas livrarias isoladas. Uma maior concentração, poderia criar sinergias mais fortes e aumentar o impacto.
Horários pouco consistentes: Em alguns casos, os horários de funcionamento são erráticos, dificultando o acesso regular dos consumidores.
Apesar destas fragilidades, as livrarias de rua, incluindo as lojas de livros, têm um papel crucial na produção e difusão cultural. Mais do que isso, desempenham uma função social importante na construção de laços comunitários e na criação de vizinhança, ajudando a transformar as cidades em espaços mais habitáveis. A este respeito, recomendo a leitura da dissertação de Matilde Azevedo Costa, que analisa precisamente o impacto das livrarias independentes no Porto.
Dada esta importância, deveria existir um apoio mais consistente do Ministério da Cultura, com programas especificamente dirigidos a este nicho cultural, como acontece em vários outros países. Actualmente, se não estou em erro, o único programa em vigor é o de apoio à transição digital das livrarias, inserido no PRR. No entanto, este tipo de ajuda, embora útil, não aborda diretamente os principais desafios que estas livrarias enfrentam. O apoio à sua sobrevivência e crescimento requereria uma estratégia mais abrangente e direcionada.
5. O que fazer a partir daqui?
Acredito que uma megastore como a FNAC na Baixa seria essencial, especialmente pela sua capacidade de atrair e fixar um público mais vasto. Contudo, não vejo a FNAC como uma concorrente direta das livrarias independentes, pois operam em segmentos distintos. Não é razoável imaginar que o público habitual deste tipo de lojas vá migrar para as livrarias independentes, já que estas últimas não oferecem o tipo de livros que esse público procura mas também porque estas se encontram dispersas pela cidade. Na verdade, defendo até que a presença da FNAC teria um efeito positivo no mercado livreiro em geral, ao facilitar o acesso à cultura impressa e democratizá-la. Esta é, afinal, a função das lojas-âncora no desenvolvimento de um ambiente comercial urbano mais diversificado e vibrante.
Dito isto, há ainda muito a fazer para reforçar este ecossistema. Por exemplo, a Universidade do Porto poderia desempenhar um papel mais ativo na oferta cultural, disponibilizando aos seus alunos e à cidade uma plataforma sólida de divulgação de conhecimento académico e científico. A atual livraria da Reitoria é, no mínimo, decepcionante e não está à altura da instituição que pretende ser a melhor universidade de Portugal. A criação de uma ‘Livraria Académica Internacional’, que reunisse publicações da UP, de outras universidades nacionais e de instituições internacionais de prestígio, colocaria o Porto no centro do sector livreiro académico, dando à cidade uma nova dimensão cultural.
Também gostaria de referir as livrarias dos nossos museus, que carecem de atenção. Quando visito museus no estrangeiro, perco frequentemente horas nas suas livrarias, que se afirmam como extensões naturais dos projetos expositivos. Entre nós, este conceito é praticamente inexistente. Encontramos, na melhor das hipóteses, alguns catálogos desatualizados e publicações poeirentas. Mesmo Serralves, que já teve uma livraria notável sob a gestão da saudosa Leitura, está a perder relevância, com o espaço a ser gradualmente tomado por souvenirs e merchandising.
A nível de política local, reconheço que os instrumentos disponíveis são limitados, mas não são nulos. Quando soubemos do encerramento da Latina, foi particularmente desanimador ouvir o presidente da câmara dizer: “O presidente da câmara nada pode fazer, pode apenas chorar como os outros“. Esta afirmação é infeliz, pois, na sua posição, ele tem responsabilidades especiais, representando os cidadãos. No mínimo, Rui Moreira poderia ter escrito uma carta de protesto dirigida ao Grupo Infinitas Learning em nome da cidade e, idealmente, emitido um comunicado oficial de censura, dado o impacto significativo desta decisão no património imaterial e na paisagem cultural do Porto. Tendo em conta que Rui Moreira já foi bastante vocal em outros casos, como no das decisões da Metro, não vejo porque não agiria de forma semelhante neste caso. Além disso, poderia ter explorado a possibilidade de uma solução negociada, na qual a câmara criasse condições ou mediasse uma proposta para manter a Latina em funcionamento como livraria, por exemplo, através da aquisição do espaço seguida de um concurso de concessão.
Já agora, os instrumentos legais que o presidente reclama para limitar a abertura de lojas de souvenirs, a serem outorgados, poderiam ser igualmente usados para assegurar a permanência de estabelecimentos com características estratégicas para a identidade e coesão social e cultural da cidade, como é o caso da Latina e de muitos outros em diversos sectores de atividade.
Um exemplo positivo de política local no apoio ao setor livreiro é aFeira do Livro do Porto, que se revelou um sucesso. A relocalização da feira nos Jardins do Palácio de Cristal, o desfasamento em relação à Feira do Livro de Lisboa, o corte com a APEL, e o foco nos livreiros em detrimento das editoras, aliado a um programa cultural abrangente, foram estratégias acertadas. Para os livreiros independentes, este evento anual é uma oportunidade crucial tanto em termos de visibilidade como de receita. No entanto, o seu único defeito é ser um evento de periodicidade anual, deixando os restantes meses sem qualquer iniciativa semelhante.
O desafio que lanço aqui é que a autarquia, que já demonstrou ter o know-how necessário, considere a organização de uma espécie de feira permanente do livro. O espaço ideal poderia ser o patamar superior do Mercado do Bolhão, que inexplicavelmente permanece devoluto. Este local tem todas as condições: centralidade, espaço, e interligação com outras atividades comerciais. Poderia ser criado um mercado semanal do livro, aos sábados, e, em sonhos mais ambiciosos, até um mercado com bancas permanentes. Isto permitiria rentabilizar o investimento no Bolhão, diversificar o público e oferecer aos livreiros uma oportunidade de gerar receitas complementares. Além disso, seria um importante passo na criação de um cluster cultural centrado no livro e qualificaria ainda mais a oferta turística da cidade. Seríamos o único mercado de frescos no mundo a partilhar o seu espaço com um mercado de livros. Os ingredientes estão todos lá; só falta ligá-los.
[NOTA 1: Por razões de economia de espaço e por se tratar de um segmento que se rege por toda uma outra lógica, deixei o universo dos alfarrabistas para outra oportunidade. No entanto, estou perfeitamente consciente do importante papel que desenvolvem no mercado livreiro da cidade]
[NOTA 2]: Post editado a 16.10.2024 com o acrescento da Livraria da Ordem dos dos Arquitectos e a Circo de Ideias]
Na sequência do post anterior sobre este tema, junto envio resposta da CMP relativa ao nosso pedido de intervenção de comissão arbitral que foi rejeitado liminarmente. Iremos recorrer e responder, uma vez que a qualidade de “interessado” é fácil de comprovar e que podemos apenas “debater” os regulamentos municipais aplicáveis. Eu em nome pessoal e outros vizinhos qualificamo-nos como “interessados” porque some proprietários de prédios em confrontação direta com a operação urbanística e seremos gravemente lesados pelo incumprimento das regras urbanísticas.
Aproveito para informar de que a CMP já emitiu parecer favorável ao Licenciamento do Projeto da Residência Universitária e pavilhão desportivo da Boa Hora, outra vez, tal como aconteceu no PIP por despacho superior, desta vez da Diretora dos serviços de Gestão Urbanística, contra as informações técnicas de apreciação urbanística desfavoráveis, que elencam vários incumprimentos. Também contra o parecer da Direção Municipal de Património que classifica os azulejos das fachadas de “interesse patrimonial relevante” que devem ser mantidos “in situ”. Este Projeto prevê a demolição total dos edifícios existentes, incluindo as suas fachadas em azulejo. Junto envio estes documentos mencionados. A obra vai iniciar-se em breve.
O Metrobus do Porto é um sistema de transporte público em autocarros que irá ligar a Rotunda da Boavista e a Praça do Império / Rotunda da Anémona. Trata-se dum investimento de 76 milhões de euros totalmente financiado a fundo perdido pelo PRR com base num estudo de procura e de viabilidade financeira que prevê que o Metrobus tenha uma via exclusiva (onde não podem circular carros) em toda a sua extensão.
Só assim se assegura a velocidade de circulação (“média de 25 km/h, com tempo de paragem nas estações de 33 segundos“) que cumpre os prometidos 12 minutos entre Boavista e Império. Só assim o Metrobus irá mudar a mobilidade da zona Ocidental da cidade do Porto, cumprindo horários e frequências como o Metro faz e desviando pelo menos 3,7 milhões de viagens de automóvel por ano para um veículo rápido e confortável.
Porém, por decisão política, na Avenida Marechal Gomes da Costa o Metrobus não terá uma via exclusiva. A sério?!? Então o Metrobus não será um Metrobus?
São certamente compreensíveis as motivações de quem fez pressão para que não fossem retiradas faixas para automóveis, suprimidos lugares de estacionamento ou reduzido o relvado central da Avenida. Não tendo havido nenhum movimento de massas, as vozes que chegaram aos decisores terão sido de moradores da zona e da Foz, a elite sócio-económica da cidade. Como é que estes interesses particulares prevalecem sobre o objetivo da neutralidade carbónica que a CMP quer antecipar para 2030? Segundo os censos, em 2021, 53,5 % da população do Porto deslocava-se regularmente de carro, 2 p.p. acima de 2011 e 6 p.p. acima de Lisboa; no mesmo período, a fatia dos portuenses que utiliza transporte coletivo desceu 4 p.p.para 22,4 %. Ou seja, temos estado a caminhar no sentido errado.
Como evitar o desperdício de tantos recursos numa dúzia de autocarros que aceleram numa parte do trajeto para na outra ficarem a atrasar-se no pára-arranca? Será que não somos capazes de reduzir o espaço para o automóvel nem quando passamos a ter uma alternativa fiável de transporte coletivo?
Perante a evidente contradição entre o nome da coisa e a própria coisa, os responsáveis políticos e técnicos têm tido abordagens criativas. A 23 de Março de 2022, o presidente da CMPorto, Rui Moreira, afirmou poeticamente que o Metrobus vai “conviver com os automóveis” na Marechal. Na apresentação pública do projeto, a 30 de Janeiro de 2023, arriscou declarar que “não faria sentido deixar sem uso as vias do metrobus nos 10 minutos entre a sua passagem”, mas que a via estará marcada no chão como “do Metrobus”, ainda que qualquer automóvel a possa usar. Na mesma ocasião, o presidente da Metro do Porto, Tiago Braga, professou a sua fé dizendo que “espera que os automobilistas evitem a via (não exclusiva) na Marechal para contribuírem para o êxito do transporte público”. Porém, em entrevista ao ECO a 11 de Março, recuou quase até ao cepticismo: “Se verificarmos, em conjunto com a câmara municipal e a STCP, que a operação (do Metrobus) está a ser prejudicada, rapidamente conseguiremos colocar mais área segregada para beneficiar o funcionamento do sistema.”
O financiamento do Metrobus pelo PRR foi feito no pressuposto que o Metrobus seria um Metrobus. Que consequências terá neste e noutros projetos pagos pela UE caso o Porto não cumpra aquilo com que se comprometeu? Por todos os motivos, seria trágico para o Porto fazermos do Metrobus uma caricatura dum transporte público de qualidade, que é o que todos os especialistas sabem que aconteceria. Não bastam proclamações bem intencionadas do Município como o Pacto do Porto para o Clima, é preciso agir.
É este o momento para criarmos a via dedicada em toda a extensão do Metrobus, desde o primeiro dia da sua operação. Ou então, se é para não deixar sem uso as infraestruturas quando não estão a passar os veículos, assumirmos uma inovação à moda do Porto e aplicar essa lógica ao Metro, colocando carros a circular no túnel entre a Trindade e Campanhã, obviamente apenas “nos minutos entre a sua passagem”. E, correndo bem, fazermos o mesmo na Linha de Leixões, no Ramal da Alfândega e até exportar a ideia mundo fora. É agora, Porto!
Nota: Metrobus é o nome português para BRT (Bus Rapid Transit). A sua caraterística essencial é ter uma faixa de rodagem exclusiva, como o Metro e o Comboio. É também desejável o autocarro ter prioridade nos cruzamentos, o seu alinhamento ao centro da via, e a existência de estações niveladas com o piso dos veículos.
Com o Metro Rosa e Rubi e o Ramal da Alfândega podemos reduzir o número de carros no centro e dar mais segurança aos peões. Que falta ao Porto para deixar uma das piores taxas de atropelamento da Europa?
No final de 2023, o GARRA confirmou com a empresa à qual se encomendou o plano (MPT) que este estava concluído, o que nos levou a pedir reunião com a vereação do Espaço Público. Continuamos sem resposta desde Fevereiro de 2024.
Resumindo: 2 anos sem avanços; pior, fala-se num novo plano, mais custos e atrasos.
Congestionada e perigosa
Segundo o estudo da TomTom de 2023, o Porto tem a maior congestão automóvel (% de tempo perdido em horas de ponta por causa do trânsito) em Portugal, com 45%, equivalente a 74 horas anuais. Mas este nem é o maior problema…
O Relatório de Sinistralidade da Autoridade de Segurança Rodoviária (ANSR) sobre 2019, 2021 e 2022 indica que houve no concelho do Porto cerca de 3.000 acidentes com vítimas, mais de 20 mortos, 40 feridos graves e 3.500 ligeiros. Nada melhorou face ao período 2010-2017, analisado no Plano Municipal de Segurança Rodoviária (PMSR); nesses 8 anos, 75% das vítimas ocorreram em vias geridas pelo Município do Porto (ou seja, excluindo a VCI e Circunvalação).
Os dados mais recentes, do relatório de 2023 continuam a preocupar, com 4 vítimas mortais nas ruas sob alçada da CMP: uma por colisão (Rua Oliveira Monteiro), uma por despiste (Rua de Sobreiras) e duas por atropelamento (Rua Manuel Pinto de Azevedo e Av. da Boavista).
Talvez seja azar com planos, mas também o PMSR (elaborado em Abril 2019) não conseguiu “diminuir tendencialmente para zero o número de vítimas mortais até 2021” como se propunha fazer.
Poucas melhorias
Nos mapas de acidentes com vítimas entre 2018 e 2020 no Porto, verifica-se a sua concentração numa dúzia de vias com mais tráfego, incluindo Fernão Magalhães, Campo Alegre, Constituição, Antero de Quental, Camões e marginal do Douro.
Porém, nenhuma delas tem beneficiado de medidas de acalmia de tráfego ou protecção de peões. Tampouco (pelo menos para já) incluída na Rede 20, que promete dar prioridade à mobilidade suave e impôr 20Km/h de limite de velocidade; pelo contrário, esta iniciativa está por ora limitada a ruelas como os Caldeireiros e a Bandeirinha, cuja estreiteza e piso já impediam que se circulasse mais rápido.
Sem esperarmos por mais estudos, é urgente abrandar o trânsito na cidade e tirar carros do centro do Porto; por todos nós, em especial os velhos e as crianças, que merecem ir para a escola a pé sem terem medo de morrer.
Em 2002, Rui Rio foi eleito Presidente da Câmara do Porto, cavalgando a promessa de impedir uma alegada ameaça de construção no Parque da Cidade. A polémica girava em torno de um estudo urbanístico para a frente da Estrada da Circunvalação, onde se previa um total de 20.000 m2 de área edificada. Curiosamente, o terreno em questão não pertencia ao Parque da Cidade, mas, em contrapartida, oferecia à cidade a cedência de mais 54.000 m2 ao Parque.
No entanto, como tantas vezes acontece, a ignorância tornou-se atrevida e inflamou um movimento popular de oposição, ao qual Rui Rio e o PSD prontamente aderiram. O objectivo era claro: capitalizar a controvérsia para ganhar as eleições e travar qualquer construção, sem olhar para o verdadeiro mérito da proposta.
Para melhor compreensão do que aqui se discute, apresento algumas imagens elucidativas sobre a área em questão:
Primeira imagem: Uma fotografia da época, onde se vislumbra a ausência de qualquer edificação, mas com uma vasta área pavimentada.
Segunda imagem: A evolução dessa mesma área ao longo dos anos e dos mandatos de Rui Rio. Aqui, podemos ver como o espaço se transformou em palco para eventos como a Feira do Continente e outros do género. Incrivelmente, até um aeroporto improvisado surgiu no local!
Terceira imagem: Uma imagem actual da mesma área. A redução da área impermeabilizada é evidente ao longo dos anos, mas a ironia persiste: apesar da tão proclamada diminuição, ainda hoje se mantém uma vasta extensão pavimentada, nunca verdadeiramente reduzida. Mais do que isso, surgiram novas instalações desportivas, que somam cerca de 10.000 m2 de construção e 20.000 m2 de área impermeabilizada.
Para que não restem dúvidas, devo desde já esclarecer que nunca fui, nem sou, contra a construção no Parque da Cidade. Pelo contrário, entendo que a sua concepção original previa precisamente uma integração equilibrada de diversas frentes urbanas. Também não tenho qualquer objecção à existência das instalações desportivas que lá se encontram. Cresceram, é certo, e à boa maneira portuguesa, “para todos os lados”. Mas, sinceramente, nem a sua aparência nem o seu uso me incomodam.
O que verdadeiramente perturba — e isso sim, é difícil de aceitar — é a amarga constatação de como é fácil enganar tantos, durante tanto tempo.
Paralelamente, o município também divulgou algumas intenções nessa área. Numa primeira análise, parece-nos que as ruas mencionadas são já muito estreitas e repletas de turistas, onde a pedonalização é praticamente uma realidade previamente existente. Assim, estas medidas terão um impacto limitado na promoção da mobilidade suave na cidade.
Além disso, a previsão de dois anos para concretizar o anunciado (quando só falta um ano de mandato) sugere que serão precedidas por obras de nivelamento do pavimento, processo que, além de dispendioso, seria em boa medida desnecessário. Não seria mais eficaz e eficiente iniciar com a simples colocação de barreiras nas extremidades das ruas, libertando-as dos automóveis de forma quase imediata? Apostar no urbanismo tático traz resultados mais rápidos, permitindo à população sentir as vantagens das mudanças.
Será também importante dar visibilidade à comunidade da cidade das experiências de pedonalização já feitas noutras cidades, onde a desconfiança e algum antagonismo inicial por parte de logistas evoluiram e passaram para apoio às medidas, à sua expansão e devido ao crescimento dos seus negócios.
Gostaríamos ainda de saber o que impede o executivo municipal de divulgar o Plano de Pedonalização desenvolvido pela respeitada consultora MPT, que estará pronto há pelo menos 9 meses? Porque não começamos já a pô-lo em prática, incluindo ruas cujos benefícios sejam sentidos por quem vive no Marquês, Pereiró, Carvalhido, Bonfim ou Amial?
Continuem a contar com o nosso empenho para contribuir com dados e factos para o debate público; estamos, como sempre, à disposição para dialogar e colaborar.
Vamos a isso, Porto!
—– GARRA – Grupo de Acção para a Reabilitação do Ramal da Alfândega Porto, Portugal Desde 2005
Tudo isto exige persistência para se tornar rotina, mas água mole… Campanhã tem imenso potencial, mas precisa de uma evolução social e cultural que vai demorar uma geração, pelo menos. É qualificando os espaços públicos e promovendo assim o convívio aberto que se contribui para isso. Sem ilusões quanto à rapidez da transformação, mas apontando o caminho. Espero que a manutenção dos equipamentos públicos e a vigilância permanente dos espaços estejam à altura das ambições, senão terá sido investimento perdido.
Rui Moreira, ao comentar as recentes agressões a imigrantes no Porto – o esfaqueamento de um cidadão marroquino e outro indiano –, decidiu ligar estes episódios ao clima de insegurança promovido pela extrema-direita e… pela extrema-esquerda. No Jornal de Notícias, Moreira afirmou: “Muitas vezes, quando se começa a falar que a cidade está a ser gentrificada só porque vêm para cá pessoas de fora, também as forças de extrema-esquerda contribuem para este ambiente [de violência e ódio contra imigrantes]”.
Esta tentativa de distribuir responsabilidades, além de não ser suportada por qualquer facto, revela uma distorção da realidade. Não há qualquer estudo ou evidência que mostre que a crítica à gentrificação e ao turismo fomente ódio ou atos violentos contra estrangeiros. As vítimas destes ataques são imigrantes racializados e vulneráveis, não turistas ou “nómadas digitais”. O racismo, como é evidente, dirige-se contra os mais fracos, e as críticas da extrema-esquerda às políticas urbanas nada têm a ver com o discurso de ódio ou violência. O raciocínio de Moreira aqui é, no mínimo, uma falácia perigosa, equiparando de forma grosseira a crítica legítima à gestão urbana ao racismo e à xenofobia da extrema-direita.
Mais grave ainda é o facto de Rui Moreira não ser um cidadão qualquer. Como presidente da Câmara Municipal do Porto, tem o dever de condenar inequivocamente a violência e os discursos que a promovem. No entanto, em vez de uma posição firme contra os ataques racistas, Moreira opta por manipular a narrativa, diluindo a culpa e aproveitando a tragédia para alimentar a sua guerra pessoal contra a esquerda. Esta instrumentalização de atentados à dignidade humana, de tentativas de homicídio, em prol de uma cruzada política, é intelectualmente desonesta e moralmente repugnante.
Já antes deste episódio, a 3 de maio, militantes de extrema-direita invadiram uma residência no Bonfim, armados com paus, facas e uma arma de fogo, atacando imigrantes argelinos e venezuelanos. Nessa mesma noite, outros imigrantes magrebinos foram agredidos nas ruas. A PSP identificou seis homens, cinco deles membros do movimento de extrema-direita “1143”, o mesmo movimento que um mês antes tinha organizado uma marcha anti-imigração no Porto.
Apenas uma semana após estes ataques, o partido de extrema-direita “Ergue-te” convocou uma manifestação anti-imigração no Campo 24 de Agosto, nas imediações do local das agressões. A manifestação, cinicamente apelidada de “acção de sensibilização contra o racismo”, teve como claro objetivo aproveitar a atenção mediática dos ataques para ampliar a audiência do seu discurso de ódio. Apesar dos apelos da esquerda para que a Câmara não autorizasse tal evento, Rui Moreira, amparado no parecer favorável da PSP e nas limitações constitucionais, permitiu que a manifestação se realizasse. Até aqui tudo mais ou menos bem, mas em paralelo, o presidente da Câmara do Porto dedica-se a uma série de ações que só introduziram mais ruído. Em primeiro lugar, emite um raro comunicado (digo raro porque é, de facto, um recurso muito pouco utilizado pela câmara) a defender o direito à manifestação da extrema-direita, mas absteve-se de condenar, pela mesma via, os atos de violência racial que ocorreram. Em segundo lugar, Moreira, em conferência de imprensa, foi ainda mais longe. Criticou o “berreiro da esquerda radical” que, segundo ele, tentava colar o crime de ódio no Bonfim à manifestação de extrema-direita do mês anterior. No entanto, é mais que plausível que os agressores identificados pela PSP – membros do movimento “1143” – tenham participado dessa mesma manifestação. Este esforço de Moreira para separar as ações da extrema-direita da violência subsequente parece, no mínimo, desconcertante.
Para mim, a questão central não é se Rui Moreira tinha ou não o poder de proibir a manifestação, mas sim a sua total falta de desconforto político em ver as ruas do Porto ocupadas por neonazis. Não seria esperável um presidente de câmara, mesmo sem poderes legais para impedir uma manifestação, mostrar claramente que a cidade não acolhe ideologias de ódio? Bastaria um simples comunicado. O mesmo tipo de comunicado que Moreira não hesitou em emitir para defender o direito de reunião da extrema-direita (que era uma questão lateral) mas que inexplicavelmente faltou quando foi necessário condenar a violência racial (que era a questão essencial).
A 9 de setembro, a cidade voltou a ser palco de um esfaqueamento de imigrantes. Embora não esteja comprovada qualquer ligação direta entre o agressor e movimentos de extrema-direita, a motivação racista do ato é clara. E, mais uma vez, em vez de condenar o crime de forma inequívoca, Moreira decidiu criar mais “ruído”, ao partilhar, de forma equívoca, a responsabilidade moral entre a extrema-direita e a extrema-esquerda. Esta insistência em igualar dois extremos, quando apenas um promove ativamente o racismo, é intelectualmente desonesta, fazendo lembrar o trumpeano “you also had people that were very fine people, on both sides” a propósito dos acontecimentos de Charlottesville.
A crítica às políticas urbanas ou à gentrificação é um discurso político legítimo, não uma incitação ao ódio. Confundir ou equiparar essa crítica com as ações da extrema-direita é, no mínimo, irresponsável. Se Moreira está realmente preocupado em “pacificar a sociedade”, como afirma, o primeiro passo seria condenar de forma clara e inequívoca a violência contra imigrantes e identificar com clareza e sem viés ideológico os responsáveis morais por esses atos.