Centro Histórico do Porto: Património Mundial até quando?

Há 15 anos, a cidade de Dresden, com mais de meio milhão de habitantes, situada nas margens do rio Elba e capital do Estado da Saxónia na Alemanha, perdeu o título de Património Mundial da UNESCO.

Foi justamente em 25 de junho de 2009 que o Comité de Património Mundial, reunido em Sevilha, concluiu (Decisão 33 COM 7A.26) que a construção duma ponte com 4 faixas de rodagem, visível a partir do Centro Histórico de Dresden, afetava de forma irreparável a paisagem cultural do Vale do Elba.

Em 2004, cinco anos antes, a UNESCO tinha classificado Dresden como Património Mundial da Humanidade, tendo em conta os edifícios dos séculos 18 e 19 como a Ópera Semper, a igreja luterana Frauenkirche, o Museu Zwinger e as suas coleções de arte.

Os Estados-Parte da Convenção do Património Mundial têm a obrigação de proteger e conservar o “valor universal excecional” do património classificado no seu território. E quando um bem classificado como património mundial é ameaçado por perigos graves e precisos, como a ausência duma política de conservação ou perda de significado cultural, o Comité deve colocá-lo na lista do património mundial em perigo. E assim foi. Quando os governantes locais em que predominava a direita (CDU/FPD), ignorando os avisos da UNESCO, teimaram em construir a ponte, o Vale do Elba passou em 2006 a figurar na lista do património mundial em perigo. Três anos depois, veio a perder o título de Património Mundial da Humanidade.

Na cidade do Porto, o seu Centro Histórico classificado como “Património Mundial da Humanidade” pela UNESCO em dezembro de 1996, entre outra razões “… pelo tecido urbano e pelos numerosos edifícios históricos…”, foi também colocado na lista do património mundial em perigo em 2019, com base em critérios definidos no parágrafo 179 como “alteração grave da coerência arquitetónica e urbanística” ou “perda significativa da autenticidade histórica”. 

O título de Património Mundial traz obrigações ao poder local, como a de abrir o sítio classificado à fruição de quem o quer conhecer e admirar. Mas a demissão dos poderes/deveres do município e o crescimento desenfreado do negócio imobiliário/turístico têm gerado demolições dos interiores e outras intervenções inaceitáveis em diversos edifícios e provocaram uma profunda alteração no tecido humano e social do Centro Histórico com a saída forçada de muitos dos seus moradores e à sua substituição por novos residentes (gentrificação), situações que a não serem corrigidas poderão levar à perda do título de património mundial.

Tendo em devida conta todo o processo que conduziu à decisão de 25 de junho de 2009 do Comité do Património da UNESCO sobre a cidade de Dresden e encarando com seriedade e responsabilidade a possibilidade da retirada do Centro Histórico do Porto da lista do Património Mundial da Humanidade, os decisores políticos da cidade do Porto deveriam:

– (re)conhecer a necessidade de aprofundar o conhecimento sobre as alterações na posse e uso do solo e as transformações arquitetónicas, sociais e culturais ocorridas na área da cidade do Porto classificada como Património Mundial da Humanidade e

– mudar de rumo, defendendo o interesse público e desencadeando todos os procedimentos regulatórios para a  adequada proteção e valorização do Centro Histórico do Porto

3 de julho de 2024
José Castro, jurista, pós-graduado em Planeamento Urbano e Regional  

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