A “Avenida da Ponte” é, além de um bom local para construir cidade, uma oportunidade de a sociedade civil intervir em coordenação com as autarquias (município e junta de freguesia). O que eu penso, telegraficamente, é o seguinte.
1) O espaço livre na avenida deve ser destinado a habitação, e especialmente para famílias. Já há apartamentos pequenos em número mais que suficiente no Porto, pelo que os novos a construir devem ser T3 ou maiores. A perspectiva tem de ser obter residentes duradouros, para criar raízes. Um apartamento pequeno impede uma perspectiva de longo prazo, porque é sempre uma solução transitória ou de recurso. É necessário incluir no projecto espaços verdes para crianças brincarem ao ar livre, em segurança.
2) Mesmo sendo para estudantes ou idosos, o que faz sentido é os apartamentos serem grandes. As pessoas não querem viver isoladas, nem têm recursos financeiros para isso. As boas práticas recomendam co-habitação, quer num caso, quer noutro.
3) Siza Vieira tinha pensado num museu para aquele local, mas hoje em dia essa não é a melhor opção. Esse facto facilita a criação de volumes mais retalhados, em linha com as pré-existências a Poente, que não devem ser ocultadas nem perder protagonismo face a uma “obra de autor”. Eu preferiria um conjunto de intervenções por parte de diversos arquitectos, sujeitos a princípios gerais definidos num plano global.
4) Deve existir construção também do lado Nascente, igualmente retalhada para não esconder a escarpa rochosa (pelo contrário, dando-lhe destaque), sendo que os novos edifícios deveriam ficar também ligados (por mini-pontes?) aos arruamentos à cota superior.
5) Sendo uma zona de grande pressão turística (que interessa aproveitar), terá de haver soluções criativas e eficazes para proporcionar sossego com privacidade aos residentes, sem impedir o turismo nem, muito menos, criar “ilhas” de condomínios fechados. Daí que seja imprescindível garantir, à partida, por design e por contrato, que aquela zona terá vigilância e limpeza permanente – sem isso não vai funcionar.
6) Não vejo como é possível cumprir todos estes requisitos com um empreendimento de iniciativa exclusivamente pública. Por outro lado, também não me parece aceitável entregar o espaço, sem mais, à iniciativa privada, prescindindo de definir objectivos e regras claras. Há aqui um equilíbrio delicado entre deixar a sociedade civil respirar, proporcionando a liberdade suficiente para definir soluções concretas que depois implante, e a salvaguarda o interesse público numa visão abrangente de cidade por parte das autarquias. Sendo que esse interesse público também pode (e deve) ser defendido pela própria intervenção da sociedade civil.
7) Defendo para aqui a criação de uma cooperativa (ou várias) como forma de organizar a intervenção da sociedade civil, em estreita colaboração com o poder autárquico. Os imóveis seriam destinados exclusivamente a arrendamento de longo prazo, mantendo-se em propriedade cooperativa. Não será trivial encontrar consensos e concretizar projectos em tempo razoável, mas é uma tarefa que está perfeitamente ao nosso alcance. Os velhos tempos do blog ‘A Baixa do Porto‘ provam a vantagem da discussão pública e a capacidade de encontrar grande convergência até entre pessoas de áreas políticas muito diferentes. Só a nossa inércia ou preguiça o impediria. Vamos a isso?