Avenida da Ponte – um outro ponto de vista

Gostaria de aproveitar a discussão em curso sobre a Avenida da Ponte e a intenção de edificar aquele local para manifestar um ponto de vista diferente sobre a questão. Até agora, a discussão tem girado em torno da falta de habitação e de residentes no centro histórico, sugerindo-se que o espaço disponível na Avenida da Ponte poderia ajudar a resolver esses problemas, já que é visto como uma área subaproveitada.

De facto, aquele espaço está subaproveitado há anos. Ainda que mantendo a sua importância como via estrutural de atravessamento do centro da cidade, a Avenida da Ponte já não cumpre as funções para as quais foi planeada, pois deixou de articular a saída da cidade pela Ponte Luiz I. Embora a intervenção feita há 20 anos tenha trazido algumas melhorias, muito precisa ainda de ser feito. No entanto, ao contrário do que muitos defendem, acredito que aquele espaço não deve ser preenchido com novas edificações.

Sendo um defensor da criação de mais espaços verdes e de solo permeável no centro da cidade, penso que é importante revisitar algumas das ideias do projeto realizado por Fernando Távora em 1955. Esse plano, que mais valorizo e com que ilustro este pequeno texto, transformava o espaço numa zona verde com muito pouca construção.

O centro da cidade necessita urgentemente de áreas verdes, uma vez que tem sofrido um processo contínuo de impermeabilização do solo. A par disso, muitos espaços verdes que existiam nos logradouros dos edifícios desapareceram. Adicionalmente, há 20 anos ainda tínhamos várias praças-jardins no centro, mas elas foram transformadas em terreiros que se tornaram verdadeiros recindos para eventos. A arborização ocasional de alguns espaços públicos é insuficiente para compensar esta perda contínua.

A Avenida da Ponte é um dos poucos locais onde podemos criar, em bom tempo, um espaço verde no centro da cidade. Trata-se de uma área grande e, com um bom desenho, a criação de uma zona verde pode ser complementada por alguma construção que sirva de apoio a quem mora no centro histórico.

Nesse contexto, acredito que a parte edificada desse espaço deve ser usada para estacionamento exclusivo dos residentes, compensando a paulatina retirada de lugares de parqueamento no centro histórico. Apesar de qualquer planeamento de transportes e mobilidade, a necessidade ocasional de uso de transportes individuais é real. Por isso, faz todo sentido ter uma zona de estacionamento de apoio na Avenida da Ponte, aproveitando áreas já impermeabilizadas.

Além disso, a falta de habitantes permanentes no centro histórico deve ser solucionada aproveitando a volumetria já existente, com uma estratégia específica para esse fim, evitando a massificação construtiva da área.

Estamos lentamente caminhando para uma impermeabilização total do centro da cidade, o que já tem mostrado prejuízos a curto e médio prazo. Veja-se, por exemplo, as inundações no início de 2023, em parte devido às obras do Metro e ao desvio do Rio de Vila. Embora as obras do Metro tenham sido uma situação específica, várias outras áreas da cidade também ficaram inundadas de forma inédita, o que pode ser entendido como o resultado de uma política urbanística que importa rever. Assim, é crucial reflectir sobre o modo como estamos utilizando e preenchendo o solo urbano.

Portanto, lembrando o plano de Távora, defendo que a Avenida da Ponte deve acolher zonas arborizadas, juntamente com pequenas edificações de apoio aos residentes, mantendo vistas importantes como a da Sé a partir de São Bento e vice-versa, e ajustando-se paisagisticamente com base em estruturas vegetais e na permeabilidade do solo.

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