Nós, os técnicos autores de projectos, vivemos sobrecarregados de regulamentos, sejam aqueles determinados pelas Leis gerais, sejam os municipais. São tantas regras, Decretos e Portarias que se torna impossível, por um lado, conhecê-los todos e, por outro, cumpri-los integralmente. Ainda mais porque, muitas vezes, algumas dessas normas contradizem outras.
Essa vasta legislação e suas inúmeras regras tornam-se até ridículas, pois é inviável para nós, como técnicos responsáveis por projectos, fazer um Termo de Responsabilidade, exigido por Lei, garantindo que cumprimos todas. Fazendo uma analogia, é como se ao dirigir um automóvel fosse possível seguir à risca todos os sinais de trânsito. Sabemos é que, quando um polícia nos manda parar, alguma regra não foi por nós cumprida.
No meio dessa confusão de cerca de 6.000 Decretos e Portarias que regulamentam a construção, facilmente percebemos que, se por um lado tudo é impossível, por outro tudo é possível. Existe sempre uma regra, e pior ainda, uma interpretação, que nos leva a uma possibilidade de ilegalidade ou legalidade, dependendo do que se deseja.
Assim como eu, enquanto técnico, me vejo perdido entre tantos regulamentos, o mesmo acontece com as entidades licenciadoras.
Hoje em dia, sempre aconselho os clientes a acompanhar um processo de licenciamento com um jurista especializado (é preciso saber escolher, pois há muitos, mas a maioria não entende do assunto). O objectivo é, por um lado, ajudar a interpretar as regras que precisamos aplicar conforme o nosso interesse, e por outro, auxiliar as entidades a colherem pareceres que lhes transmitam segurança nas decisões que precisam tomar. O propósito é apenas o de garantir a segurança legal e o andamento dos processos.
No meio dessa confusão, muitos serviços técnicos, sejam das Câmaras ou de outras entidades licenciadoras, acabam por aprender maneiras de aplicar e contornar as leis conforme suas conveniências. Essa característica naturalmente leva à constante sensação de que a legalidade, às vezes, é aplicada de uma forma e, em outras, de forma diferente. Nossa percepção dessas situações geralmente aponta para a corrupção, seja ela por pagamento ou por favor.
Este assunto tem pano para mangas, mas vem aqui a propósito do projecto de residências na Rua da Boa Hora e Breiner e a vontade do “Movimento de Cidadãos da Cidade” em solicitar uma comissão arbitral para analisar o cumprimento do PDM do Porto e seus regulamentos, bem como outros que se aplicam a este caso.
Em várias situações semelhantes, já interpelei Câmaras e recorri a tribunais. As Câmaras, muitas vezes, justificam com um regulamento que não se cumpre, apresentam outro que não tem nada a ver com o assunto, mas que parece dar razão e lhe conferem uma aparente legalidade. Os Tribunais, por sua vez, interpretam que, em caso de construção, se algo não é legal, devem ser bem analisados (pelos próximos anos), pois sempre há como restabelecer a legalidade pela demolição. E vale lembrar que, se poucos advogados entendem de processos administrativos relacionados ao Urbanismo, no caso dos juízes nenhum entende.
Entendo e, em parte, concordo com a ideia de que alguns interiores de quarteirões são desvirtuados, não tanto pela permeabilidade, mas pelo uso excessivo, como é o caso aqui.
Não antevejo muito sucesso para o Movimento de Cidadãos, mas apoio fortemente sua tentativa, pois essa é a única forma que temos para provocar uma mudança na maneira de gerir o espaço que é de todos.