Dos Extremos

Fonte da imagem: Jornal de Notícias

1. “VERY FINE PEOPLE ON BOTH SIDES”?

Rui Moreira, ao comentar as recentes agressões a imigrantes no Porto – o esfaqueamento de um cidadão marroquino e outro indiano –, decidiu ligar estes episódios ao clima de insegurança promovido pela extrema-direita e… pela extrema-esquerda. No Jornal de Notícias, Moreira afirmou: “Muitas vezes, quando se começa a falar que a cidade está a ser gentrificada só porque vêm para cá pessoas de fora, também as forças de extrema-esquerda contribuem para este ambiente [de violência e ódio contra imigrantes]”.

Esta tentativa de distribuir responsabilidades, além de não ser suportada por qualquer facto, revela uma distorção da realidade. Não há qualquer estudo ou evidência que mostre que a crítica à gentrificação e ao turismo fomente ódio ou atos violentos contra estrangeiros. As vítimas destes ataques são imigrantes racializados e vulneráveis, não turistas ou “nómadas digitais”. O racismo, como é evidente, dirige-se contra os mais fracos, e as críticas da extrema-esquerda às políticas urbanas nada têm a ver com o discurso de ódio ou violência. O raciocínio de Moreira aqui é, no mínimo, uma falácia perigosa, equiparando de forma grosseira a crítica legítima à gestão urbana ao racismo e à xenofobia da extrema-direita.

Mais grave ainda é o facto de Rui Moreira não ser um cidadão qualquer. Como presidente da Câmara Municipal do Porto, tem o dever de condenar inequivocamente a violência e os discursos que a promovem. No entanto, em vez de uma posição firme contra os ataques racistas, Moreira opta por manipular a narrativa, diluindo a culpa e aproveitando a tragédia para alimentar a sua guerra pessoal contra a esquerda. Esta instrumentalização de atentados à dignidade humana, de tentativas de homicídio, em prol de uma cruzada política, é intelectualmente desonesta e moralmente repugnante.

Já antes deste episódio, a 3 de maio, militantes de extrema-direita invadiram uma residência no Bonfim, armados com paus, facas e uma arma de fogo, atacando imigrantes argelinos e venezuelanos. Nessa mesma noite, outros imigrantes magrebinos foram agredidos nas ruas. A PSP identificou seis homens, cinco deles membros do movimento de extrema-direita “1143”, o mesmo movimento que um mês antes tinha organizado uma marcha anti-imigração no Porto.

Apenas uma semana após estes ataques, o partido de extrema-direita “Ergue-te” convocou uma manifestação anti-imigração no Campo 24 de Agosto, nas imediações do local das agressões. A manifestação, cinicamente apelidada de “acção de sensibilização contra o racismo”, teve como claro objetivo aproveitar a atenção mediática dos ataques para ampliar a audiência do seu discurso de ódio. Apesar dos apelos da esquerda para que a Câmara não autorizasse tal evento, Rui Moreira, amparado no parecer favorável da PSP e nas limitações constitucionais, permitiu que a manifestação se realizasse. Até aqui tudo mais ou menos bem, mas em paralelo, o presidente da Câmara do Porto dedica-se a uma série de ações que só introduziram mais ruído. Em primeiro lugar, emite um raro comunicado (digo raro porque é, de facto, um recurso muito pouco utilizado pela câmara) a defender o direito à manifestação da extrema-direita, mas absteve-se de condenar, pela mesma via,  os atos de violência racial que ocorreram. Em segundo lugar, Moreira, em conferência de imprensa, foi ainda mais longe. Criticou o “berreiro da esquerda radical” que, segundo ele, tentava colar o crime de ódio no Bonfim à manifestação de extrema-direita do mês anterior. No entanto, é mais que plausível que os agressores identificados pela PSP – membros do movimento “1143” – tenham participado dessa mesma manifestação. Este esforço de Moreira para separar as ações da extrema-direita da violência subsequente parece, no mínimo, desconcertante. 

Para mim, a questão central não é se Rui Moreira tinha ou não o poder de proibir a manifestação, mas sim a sua total falta de desconforto político em ver as ruas do Porto ocupadas por neonazis. Não seria esperável um presidente de câmara, mesmo sem poderes legais para impedir uma manifestação, mostrar claramente que a cidade não acolhe ideologias de ódio? Bastaria um simples comunicado. O mesmo tipo de comunicado que Moreira não hesitou em emitir para defender o direito de reunião da extrema-direita (que era uma questão lateral) mas que inexplicavelmente faltou quando foi necessário condenar a violência racial (que era a questão essencial).

A 9 de setembro, a cidade voltou a ser palco de um esfaqueamento de imigrantes. Embora não esteja comprovada qualquer ligação direta entre o agressor e movimentos de extrema-direita, a motivação racista do ato é clara. E, mais uma vez, em vez de condenar o crime de forma inequívoca, Moreira decidiu criar mais “ruído”, ao partilhar, de forma equívoca, a responsabilidade moral entre a extrema-direita e a extrema-esquerda. Esta insistência em igualar dois extremos, quando apenas um promove ativamente o racismo, é intelectualmente desonesta, fazendo lembrar o trumpeano “you also had people that were very fine people, on both sides” a propósito dos acontecimentos de Charlottesville.

A crítica às políticas urbanas ou à gentrificação é um discurso político legítimo, não uma incitação ao ódio. Confundir ou equiparar essa crítica com as ações da extrema-direita é, no mínimo, irresponsável. Se Moreira está realmente preocupado em “pacificar a sociedade”, como afirma, o primeiro passo seria condenar de forma clara e inequívoca a violência contra imigrantes e identificar com clareza e sem viés ideológico os responsáveis morais por esses atos. 

2. TODA A ESQUERDA É UM EXTREMO

Por razões difíceis de compreender, Rui Moreira, em vez de se concentrar nas agressões racistas e no discurso de ódio que cresce nas ruas e no espaço público, utiliza o momento para atacar a esquerda, nomeadamente o Bloco de Esquerda (BE). Esta estratégia desvia a atenção do verdadeiro problema: o aumento do racismo e da xenofobia em Portugal. Ao contrário do que Moreira tenta insinuar, o BE não é um partido de extrema-esquerda, nem exibe as características típicas de movimentos extremistas.

Movimentos extremistas partilham alguns traços em comum: rejeitam a democracia e as suas instituições, fomentam ódio contra minorias, promovem ou incitam à violência e, em muitos casos, procuram suprimir a liberdade individual em favor de regimes autoritários. O BE, por mais que possa conter dentro de si algumas correntes mais radicais, está longe deste perfil. É um partido plenamente inserido no sistema democrático português, participa ativamente nas suas instituições e aceita as regras do jogo democrático. Por isso, associá-lo à extrema-esquerda é intelectualmente desonesto. Na verdade, em Portugal, a extrema-esquerda é muito pouco expressiva, sem representação parlamentar e sem grande visibilidade na esfera pública.

Curiosamente, a colagem do rótulo de “extrema-esquerda” a tudo a que venha do outro campo, não é habitual nos moderados ou dos centristas, mas, sim, dos populistas à direita e dos neoliberais. Para estes, qualquer movimento ou ideia que não se alinhe com a sua visão do mundo é automaticamente classificado como “radical”. Esta tendência de ver o mundo político em termos de extremos opostos e mutuamente excluentes evoca a problemática  passagem bíblica (problemática pelo seu carácter sectário e de exclusão do outro): “Quem não é Comigo é contra Mim” (Mateus 12:30), uma divisa que muitos poderiam ostentar na lapela. É uma postura que simplifica e empobrece o debate democrático, tornando impossível o diálogo entre diferentes correntes políticas.

Este maniqueísmo reduz a política a um jogo de “nós contra eles” e, no processo, ignora o verdadeiro perigo: o crescente à-vontade com que grupos racistas e neonazis saem à rua para incitar e praticar violência. Estes grupos operam à sombra da democracia, protegidos pelas liberdades que ela garante, mas, ao mesmo tempo, trabalham ativamente para miná-la. O conhecido paradoxo de a democracia proteger aqueles que desejam destruí-la é um dilema para o qual não há uma solução fácil. Não podemos suprimir os direitos de expressão dos anti-democratas sem, ao mesmo tempo, comprometer os próprios princípios democráticos. É um bug do sistema com o qual temos de conviver.

Contudo, isso não significa que os eleitos, como Rui Moreira, estejam dispensados de combater estas ameaças. Pelo contrário, têm o dever de usar o seu poder e influência pública para enfrentar, de forma clara e firme, estas ideologias tóxicas. A retórica ambígua de Moreira, acaba por contribuir para que esta “sombra” se alastre e, ao contrário de Lucky Luke, Moreira não é mais rápido do que a sua própria sombra – nem sequer a enfrenta. Em vez disso, dispara contra aqueles que, em campo aberto e dentro do espaço democrático, ousam desafiá-lo politicamente.

Este comportamento não só desvia a atenção do real perigo que paira sobre a democracia, como também contribui para a sua erosão. A cada ataque à esquerda democrática com falsos argumentos, a sombra de ódio e intolerância cresce mais um pouco. Mais grave ainda, ao falhar em confrontar racistas com clareza, Moreira permite que estes grupos se sintam legitimados, agindo com crescente confiança nas ruas.

Em última análise, a verdadeira ameaça à democracia não vem de partidos como o Bloco de Esquerda, que, independentemente das suas propostas, operam dentro do quadro democrático. O perigo reside nas sombras, daqueles que tiram partido das liberdades democráticas para semear o ódio e a violência. O silêncio ou ambiguidade dos eleitos apenas fortalece essas sombras, e a falta de um combate frontal contra o extremismo de direita é, por si só, uma falha grave no exercício da cidadania democrática.

3. “ONE RING TO RULE THEM ALL…” 

O argumento de Rui Moreira assenta na ideia de que (quase) toda a esquerda é, na verdade, extrema-esquerda. A partir deste ponto,  constrói-se uma falsa equivalência entre a extrema-esquerda e a extrema-direita, colocando ambas num mesmo saco, diluindo as diferenças. Este exercício retórico só é possível à luz da chamada *Teoria da Ferradura*, que postula que os extremos políticos se aproximam. Surgida há cerca de duas décadas, esta teoria utiliza a imagem de uma ferradura para ilustrar que, embora a extrema-esquerda e a extrema-direita pareçam opostas numa linha reta, acabam por se curvar e aproximar, tal como as extremidades de uma ferradura. 

Os defensores desta teoria apontam para certas características comuns entre esses extremos: a rejeição da democracia liberal, o culto do autoritarismo, o anti-globalismo e o discurso contra as elites. Só que a Teoria da Ferradura apresenta evidentes fragilidades, sendo criticada pela sua superficialidade. Não se trata apenas de uma analogia simplista, mas de uma tese que ignora as profundas diferenças históricas, filosóficas e sociológicas entre a extrema-esquerda e a extrema-direita. Enquanto a primeira, tradicionalmente, se orienta para ideais de emancipação e igualdade, a segunda procura reforçar hierarquias e concentrar o poder numa minoria. Ao ignorar estas divergências fundamentais, a teoria cai numa generalização perigosa, onde as complexidades das ideologias desaparecem na noite em que todos gatos são pardos.

O maior problema desta abordagem está na sua conveniência política, especialmente para aqueles que, como os neoliberais, buscam neutralizar as críticas à sua própria ideologia. A Teoria da Ferradura permite-lhes atacar a esquerda como um todo, ampliando o rótulo de “extremista” a todos os seus quadrantes, e não apenas às suas franjas mais radicais. Este enviesamento revela o verdadeiro propósito da metáfora: servir como uma arma retórica para deslegitimar uma parte do espectro político.

O uso frequente desta teoria não é acidental. Não são os social-democratas, cristão-democratas, moderados ou conservadores convencionais que recorrem a este tipo de discurso. Pelo contrário, quem mais a utiliza são figuras associadas ao populismo de direita, que abraçam uma combinação de ideias neoliberais e neotradicionalistas. E aqui reside a má-fé do argumento: ao juntar ideologias radicalmente distintas como movimentos ecologistas, LGBT+, e anti-globalização com o totalitarismo da extrema-direita, cria-se uma confusão deliberada. A intenção é clara: contaminar as reivindicações progressistas e emancipatórias da esquerda com a toxicidade do niilismo destrutivista típico da extrema-direita.

No entanto, esta equivalência não é apenas um exercício teórico; ela tem consequências práticas. Ao promoverem esta confusão, os críticos da esquerda não apenas distorcem a realidade, mas preparam o terreno para uma narrativa em que tudo se torna indistinguível. Se todos os extremos são “o mesmo”, então todos os partidos políticos, todas as ideologias, todas as linhas de pensamento podem ser colocadas sob o mesmo rótulo de “extremismo”. É aqui que a metáfora da ferradura se revela insuficiente. Se os extremos são supostamente iguais, então é mais adequado falar de um “anel”, onde não há espaço para distinções ideológicas. Neste anel, tal como no imaginário de Tolkien, existem apenas dois lados: os que estão dentro e os que estão fora. E quem está dentro, claro, é quem detém o poder.

O populismo moderno usa esta narrativa de supressão da dicotomia esquerda-direita para alimentar a desconfiança em relação às instituições democráticas e aos partidos políticos. Ao afirmar que atos criminosos contra imigrantes resultam de “dois discursos extremistas”, Moreira evita falar do racismo estrutural na sua cidade, ao mesmo tempo que constrói uma posição politicamente conveniente. O perigo desta falsa equivalência é que ela mina os alicerces da democracia. Quando tudo é reduzido ao mesmo denominador, quando todas as ideologias são apresentadas como idênticas, desaparece a noção de escolha política. E sem escolha, a democracia perde o seu sentido. O sucesso de movimentos como “Porto, o Nosso Movimento” deve-se, em grande parte, à sua capacidade de alimentar esta desconfiança nos partidos e nas instituições, propondo um modelo alternativo em que o governo local é melhor entregue a um líder providencial do que aos mecanismos tradicionais da democracia representativa. Trata-se de um anel pequeno, fechado sobre si mesmo, que exclui a diversidade e a pluralidade que são essenciais ao funcionamento democrático.

Portanto, quando Rui Moreira equipara extremos, não só revela a sua estratégia política, mas também demonstra como essa narrativa serve para reforçar um discurso populista que busca neutralizar as críticas ao poder, ao mesmo tempo que enfraquece a democracia ao eliminar a diferença e a escolha. Ao fim e ao cabo, as afirmações de Rui Moreira nada nos esclarecem sobre o racismo ou sobre os extremos à esquerda e à direita, mas são bastante reveladoras sobre ele próprio.

4. ONDE SANCHO VÊ GIGANTES, D. QUIXOTE VÊ MOINHOS

Embora o discurso antigentrificação seja mais associado à esquerda, não é um monopólio da esquerda. A esquerda tem, de facto, um vasto património de reflexão teórica e militância em torno do tema, especialmente com foco nas consequências sociais e económicas dos processos de renovação urbana. No entanto, é importante reconhecer que críticas à gentrificação também surgem de alguns setores da direita, ainda que por razões distintas.

No campo conservador, particularmente entre os neotradicionalistas, a gentrificação é frequentemente percebida como uma ameaça à identidade cultural e ao equilíbrio social das comunidades e ao status quo. A crítica destes setores não surge de uma preocupação com a justiça social no sentido clássico, mas antes de um receio de perda de tradições e do que veem como um ataque ao “sentimento de pertença” das comunidades imaginadas locais. Roger Scruton é uma figura emblemática dessa visão. Ao defender um urbanismo reacionário, Scruton rejeita os grandes empreendimentos contemporâneos, argumentando que estes comprometem o equilíbrio estético e desestabilizam os valores comunitários. A sua nomeação para a comissão Building Better, Building Beautiful, pelo governo conservador de Boris Johnson, exemplifica essa abordagem, propondo medidas que, embora pareçam vanguardistas, como a consulta direta às comunidades sobre a construção urbana, visam essencialmente congelar o cenário atual e impedir transformações profundas nos bairros.

No entanto, é no plano mais pragmático que encontramos algumas intervenções concretas da direita que podem ser lidas como respostas à gentrificação. Exemplos notáveis incluem a gestão do turismo em cidades como Amesterdão (coligação liderada por um partido de centro-direita) e Veneza (liderada por Luigi Brugnaro, um reconhecido populista de direita homofóbico) onde políticas de controle foram implementadas para reduzir o impacto negativo do turismo de massa. Em Milão, a Forza Itália apoiou medidas para limitar o alojamento local e promover habitação acessível, em conjunto com o governo de centro-esquerda de Giuseppe Sala. E até mesmo Carlos Moedas e a sua vereadora da Habitação, Filipa Roseta, não têm qualquer pejo anunciar medidas dedicadas à habitação como medidas de combate à gentrificação. Estes casos ilustram que, na prática, algumas forças políticas de direita são capazes de reconhecer sem qualquer pudor ideológico que a gentrificação é um problema sério e até de adotar políticas – de eficácia variável, é certo – que procuram mitigar os efeitos deste fenómeno.

A nível internacional, várias organizações multilaterais têm reconhecido a gentrificação como um problema estrutural nas cidades globais. O World Cities Report (2020), publicado pela ONU-Habitat, alerta para as tensões entre a revitalização urbana e o deslocamento de comunidades vulneráveis. Enquanto o desenvolvimento urbano pode trazer benefícios económicos, o aumento dos preços da habitação e o custo de vida resultante têm um impacto negativo, especialmente nas populações de baixos rendimentos. O relatório propõe soluções que priorizem a inclusão social e a justiça habitacional, enfatizando a necessidade de políticas que equilibrem o desenvolvimento com o respeito pelas comunidades existentes.

A OCDE também aborda o problema da gentrificação, com enfoque na sua vertente ambiental. À medida que áreas urbanas se tornam mais verdes e sustentáveis, o aumento do valor imobiliário frequentemente leva ao deslocamento de moradores de menores rendimentos. Esta forma de gentrificação ambiental não só reforça desigualdades económicas como agrava a segregação social, uma vez que os mais pobres são forçados a residir em áreas menos favorecidas e mais expostas a riscos ambientais.

Um exemplo interessante vem do Banco Mundial. No documento Regenerating Urban Land, a organização, embora focada na mobilização de investimento privado, não ignora o impacto social da gentrificação. O relatório reconhece que os processos de renovação urbana, quando não geridos adequadamente, podem aumentar a exclusão social e tornar as cidades menos acessíveis para os mais pobres.

O programa de cooperação territorial europeia, o Urbact na apresentação da Acção  “Sustainable tourism – Regulating the phenomena of sharing economy” integrado na Urban Agenda Partnership on Culture and Cultural Heritage, assume explicitamente no prefácio que existem consequências negativas geradas pelas plataformas de AL em termos de «turistificação, gentrificação, deslocação de habitantes, especialmente dos centros históricos das cidade» e que isto constitui um problema para as cidades, devendo ser controlado. 

Ainda no contexto europeu, a rede Eurocities e o programa Intercultural Cities do Conselho da Europa destacam a gentrificação como um dos principais fatores de exclusão nas cidades contemporâneas. A Eurocities, por exemplo, recomenda o reforço das políticas urbanas com foco na inclusão social, enfatizando a necessidade de tornar a habitação acessível uma prioridade. O programa Intercultural Cities, por sua vez, liga diretamente a gentrificação à desintegração social e cultural, propondo abordagens que garantam a pluralidade nas cidades e a equidade nos processos de desenvolvimento urbano.

Em conclusão, a gentrificação é um problema urbano global que transcende fronteiras ideológicas. Embora as preocupações da esquerda estejam mais enraizadas nas questões de justiça social e redistribuição, a direita, sobretudo nos setores conservadores e tradicionalistas, também expressa reservas quanto ao impacto da gentrificação na coesão comunitária e no equilíbrio estético das cidades. Assim, tanto no plano local como internacional, é possível identificar uma ampla gama de intervenções políticas que, de maneiras diferentes, procuram lidar com os efeitos da gentrificação.

Inúmeros outros exemplos poderiam ser mencionados, mas estes já bastam para demonstrar que a gentrificação não é uma fantasia conspiratória da extrema-esquerda, ao contrário do que Rui Moreira tenta fazer crer. É preciso uma imaginação delirante para afirmar que o discurso antigentrificação incita ao ódio contra estrangeiros. Será que, na mente do presidente da Câmara do Porto, todas estas entidades internacionais, ONGs e estudiosos são, na verdade, perigosos agitadores esquerdistas fomentadores de ódio? 

A tentativa de Rui Moreira de amalgamar a crítica à gentrificação ao racismo e xenófobia não passa de um disparate, que, honestamente, nem mereceria tanta consideração. E é ainda mais paradoxal quando lembramos que algumas das medidas da própria Câmara do Porto, como a restrição de licenças de AL em certas zonas e a tímida tentativa de reabilitação de imóveis para arrendamento controlado, até poderiam ser percepcionadas como medidas típicas de combate à gentrificação — o que, convenhamos, não faria de Rui Moreira um homem de esquerda. Com esta atitude de tapar as orelhas sempre que lhe falam de gentrificação, Rui Moreira parece ser um Dom Quixote ao contrário: onde Sancho (ou seja, toda a gente) vê verdadeiros gigantes, Rui Moreira só vê inofensivos moinhos.

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