1. A FNAC da Rua de Santa Catarina fechou para dar lugar a uma loja Primark, e não parece haver planos para reabrir noutra localização. Ao contrário de Aveiro e Lisboa, a cidade do Porto ficará sem qualquer loja FNAC no centro. A partir de agora, só estará presente nos centros comerciais. Mesmo ali ao lado, a Livraria Latina também vai encerrar. Fundada nos anos 40, renasceu em 2005, passou para a Leya em 2010, e, com a mudança de controlo da própria Leya, a livraria será agora encerrada, tal como o restante grupo, excepto em Lisboa. Na Rua de Santa Catarina, restará apenas a minúscula Bertrand, escondida dentro do Via Catarina.
2. A FNAC sempre foi criticada por ter contribuído para o desaparecimento das pequenas livrarias e lojas de discos. Não tenho a certeza se esse argumento se sustenta, mas deixemos essa discussão para outra altura. Outra crítica frequente é a de que a FNAC passou a vender de tudo menos livros. Concordo parcialmente. A primeira vez que vi uma batedeira à venda numa FNAC, ergui a minha sobrancelha direita até aos píncaros. No entanto, entre a parafernália, os livros estavam lá. Parece-me claro que faz todo o sentido uma cidade como o Porto ter, no centro, uma loja-âncora que ofereça um serviço abrangente, capaz de atrair diferentes públicos e faixas etárias. O meu próprio exemplo, como pai, ilustra isso: muitos livros da Xica foram comprados na FNAC, e, por arrasto, também alguns dos meus. Não me parece irrelevante o facto de funcionar como um equipamento cultural, oferecendo uma sala para apresentações, debates e conversas. Este tipo de serviço, intergeracional e multidimensional, só uma grande superfície consegue oferecer. As livrarias independentes ou especializadas complementam esta oferta, mas focando nichos específicos.
3. Com o encerramento da FNAC e da Latina-Leya, a oferta livreira fora dos centros comerciais torna-se mais pobre, pois deixa de existir um espaço acessível ao grande público. O que nos resta? Um conjunto de lojas de livros, livrarias independentes e especializadas. Deixo aqui um mapa com as opções existentes (se me esquecer de alguma, avisem). Faço uma distinção entre lojas de livros e livrarias: uma loja de livros é um ponto de venda, muitas vezes integrado num grupo maior, onde os livros são escolhidos de forma centralizada, frequentemente como resultado de contratos entre as redes e as editoras, privilegiando os bestsellers. Não existe trabalho de curadoria; os “livreiros” limitam-se a repor stock. A FNAC era um exemplo claro disso. Já as livrarias propriamente ditas são geridas por livreiros que fazem selecções baseadas em linhas temáticas ou ideológicas próprias, moldando as suas prateleiras ao perfil dos clientes e mantendo a capacidade de os surpreender. Aviso desde já que a Lello já nem sequer é para aqui chamada porque há muito que mudou de ramo.
Seguem algumas das opções restantes:
I. Lojas de Livros:

- Bertrand: Duas pequenas lojas no centro, uma no Via Catarina e outra na Rua da Fábrica. Uma loja maior no Shopping Cidade do Porto. A Bertrand é igual em todo o lado e apenas pela dimensão se distingue uma loja do outra. Não apresentam lá grande dinamismo na programação de atividades.
- Almedina: Na Rua de Ceuta, uma loja que vale sempre a pena visitar, sobretudo por quem procura livros jurídicos, mas creio que já teve melhores dias. Dantes, a cave era um lugar onde se podiam encontrar alguma coisas interessantes..
- Imprensa Nacional: Mais um depósito de edições da INCM do que uma livraria tradicional, mas útil. Fica na Cândido dos Reis.
- Livraria da Universidade do Porto (Reitoria): Outra espécie de depósito, desta vez da UP, sem o alcance de uma verdadeira livraria académica.
II. Livrarias:

- Unicepe – Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto: Fundada em 1963 e, por isso, é a decana das nossas livrarias. É uma das melhores e mais completas livrarias do Porto. A organização das estantes por editora pode dificultar a tarefa a quem está habituado à organização por temas, mas o fundo de obras é uma bela mistura de novidades, de edições já com umas décadas, de editoras independentes e editoras mainstream. A própria livraria desenvolve atividade editorial e tem um intenso programa semanal de atividades. Qualquer um pode tornar-se sócio. Não só pelos descontos, mas também para apoiar esta casa que é caso único no panorama nacional. É bastante central, fica por ali aos Leões.
- Flâneur: Para mim, neste momento, a melhor livraria da cidade. Apesar de se tratar de uma livraria generalista, os títulos são criteriosamente seleccionados. É bem visível o dedo de livreiro. Atrevo-me a dizer que não vendem livros maus. Para além disso, também é editora e o catálogo é uma coleção de pérolas (fiquei tão contente quando vi que tinham traduzido e publicado Edmond Jabès…). Fica ali para os lados da Casa da Música, na Rua Fernandes Costa..
- Exclamação: é outra livraria que não faria má figura em qualquer parte do mundo. Uma excelente livraria, onde também é visível o critério na escolha dos títulos. Fica por ali, na Rua Aníbal Cunha, perto da igreja de Cedofeita. E também é editora (publicou, por exemplo, a poesia completa do Joaquim Castro Caldas, um nome que deveria dizer alguma coisa a muita gente do Porto por ter carregado as noites de segunda-feira no Pinguim)
- Térmita: (na porta ao lado do Candelabro) é uma pequena livraria cheia de personalidade. Não é muito habitual o livreiro, durante o pagamento, demorar-se um instante com um livro e observar: «Fui eu quem escolheu este.. Leva aí um belo livro». Também costuma ter atividades paralelas.
- Socorro: Na Rua Guedes de Azevedo, na Baixa, a Socorro assume a sua dupla natureza de “record store” e “bookstore”. Não é nada má, embora precise de alimentar o fundo. Tem sempre algumas edições de autor e de pequenas editoras independentes, a par de uma oferta mais canónica. O espaço é extraordinário.
- Gato Vadio: agora na Rua da Maternidade, esta livraria militante mantém um programa de atividades regular e apresenta uma oferta de qualidade, embora um pouco limitada. Mantém uma boa programação, mas uma oferta limitada.
- Livraria Utopia: Continua a ser uma boa opção para encontrar alguns títulos mais difíceis de encontrar ou por estarem fora de circulação ou a de distribuição difícil. É, sobretudo, uma livraria militante, com uma oferta de de autores do campo libertário. Fica na Rua da Regeneração.
- Essência do Livro: Na Rua da Alegria, frente à escola Augusto Gil, a Essência do Livro – Livraria Urbana é uma boa surpresa. Espaço amplo recheado de um misto de fundos editoriais, novidades e alfarrabistas. É notória a oferta da editora portuense Book Cover.
- Livraria José Alves: situada no gaveto Rua de Avis/Rua da Fábrica, que apesar de generalista, apresenta um perfil mais técnico, herdado, talvez, do tempo em que os estudantes deambulam pela Baixa.


III. Livrarias especializadas:
- Livrarias especializadas em livros estrangeiros: Rosebud (Inglês) em Cedofeita, Varenka (Russo e Inglês) na Rua do Almada; Ma Petit Libraire (Francês) no C. C. Campo Alegre com oferta de literatura infantil e a Bücherstube (Alemã) na Guerra Junqueiro. Nota-se que, ao contrário de Lisboa, não existe no Porto qualquer livraria dedicada ao mundo hispânico ou uma livraria francófona generalista e, sobretudo, não temos uma livraria como a excelente Livraria da Travessa, que existe em Lisboa, que nos facultaria acesso direto ao imenso universo editorial brasileiro..
- Livrarias infantis – A Livraria Papa-Livros (muito boa qualidade) na Miguel Bombarda, a Didatic by Edicare na Cedofeita, a Ave Azul no Parque Itália e a Salta Folhinhas em Costa Cabral fazem as despesas da casa. Faz falta um projeto como a Gigões & Anantes em Aveiro.
- Livrarias Religiosas: confesso que não frequento estes antros, mas a avaliar pela quantidade, trata-se de um sector imune às sucessivas crises do mercado livreiro. Senão vejamos: Livraria Franciscana e Edições Paulinas em Cedofeita, Livraria dos Salesianos na Rodrigues de Freitas, Livraria Paulus na Júlio Dinis e Casa da Bíblia em Costa Cabral
- Na Rua do Paraíso, encontramos a Livraria Aberta, a primeira livraria queer do Porto e uma seleção muito criteriosa de títulos que acaba por extravasar, aqui e acolá, o âmbito estrito do campo queer.
- Na rua dos Bragas temos a Trama, uma livraria improvável porque concentra a sua atenção no pensamento e filosofias contemporâneas. Apesar de pequenina, apresenta um poderoso leque de edições em várias línguas (português, espanhol, francês e inglês). É impossível sair dali de mãos a abanar. O Pablo tem sempre sugestões de leitura.
- Tive algumas dúvidas se a Matéria Prima, encaixaria aqui ou não. Na verdade, trata-se mais de uma loja com livros, juntamente com uma parafernália de adereços vários, discos, revistas e zines. Acabo por considerá-la como livraria (apesar de não se considerarem como tal) especializada num sector muito específico das artes e cultura urbana.
- Livraria da Ordem dos Arquitectos na Álvares Cabral, como seria de esperar, é especializada em arquitectura. Apenas os arquitectos têm direito a desconto.
- Circo de Ideias é uma livraria especializada em arquitectura localizada no icónico Bairro da Bouça (Siza Vieira). Para além de livraria, é também editora, galeria e organiza eventos.
- E, por último, a jóia da coroa: a Poetria, a livraria especializada em poesia e teatro fundada por Dina Ferreira, tendo há já algum tempo passado de mãos (para boas mãos) e, por vicissitudes dos tempos que correm nesta cidade, mudado de instalações para a Sá de Noronha.

4. Considerações Semifinais:
Lojas de livros à parte, focando apenas nas livrarias, o mercado livreiro apresenta características muito próprias, com pontos fortes e fracos que merecem atenção. A minha análise aqui baseia-se, sobretudo, numa perspetiva de consumidor, pelo que outros aspetos poderiam ser identificados através de uma avaliação mais detalhada ou com trabalho de campo.
Pontos fortes:
- Diversidade e qualidade da oferta: As livrarias apresentam um leque editorial muito vasto, que cobre desde grandes editoras até pequenas independentes, garantindo que o consumidor tem acesso a uma variedade impressionante de livros.
- Integração com editoras: Muitas livrarias funcionam também como editoras, oferecendo uma produção própria que complementa o portfólio disponível e cria uma identidade única.
- Dinamismo cultural: Além de vender livros, muitas livrarias apostam em programações paralelas como lançamentos, debates, leituras e outros eventos culturais que contribuem para a vitalidade da oferta cultural.
- Curadoria especializada: O papel do livreiro como curador é uma mais-valia. Os seus conhecimentos permitem uma seleção criteriosa que orienta o leitor e valoriza a experiência de compra.
- Presença de novos projetos: A emergência de novos projetos livreiros é um ponto positivo. Muitos desses novos estabelecimentos têm ainda um longo caminho a percorrer e um grande potencial de crescimento.
Pontos fracos:
- Imaturidade de alguns projetos: A juventude de certas livrarias pode representar uma fragilidade. Muitas ainda não atingiram uma fase de maturidade necessária para consolidarem o seu espaço no mercado.
- Sustentabilidade económica limitada: Algumas livrarias parecem depender mais da paixão e militância dos livreiros do que de um plano de negócios sólido e bem estruturado, o que pode comprometer a sua longevidade.
- Pequenas instalações e oferta limitada: Muitos espaços são fisicamente reduzidos, o que limita a quantidade de livros que podem expor e vender.
- Dispersão geográfica: Há uma grande dispersão territorial, com muitas livrarias isoladas. Uma maior concentração, poderia criar sinergias mais fortes e aumentar o impacto.
- Horários pouco consistentes: Em alguns casos, os horários de funcionamento são erráticos, dificultando o acesso regular dos consumidores.
Apesar destas fragilidades, as livrarias de rua, incluindo as lojas de livros, têm um papel crucial na produção e difusão cultural. Mais do que isso, desempenham uma função social importante na construção de laços comunitários e na criação de vizinhança, ajudando a transformar as cidades em espaços mais habitáveis. A este respeito, recomendo a leitura da dissertação de Matilde Azevedo Costa, que analisa precisamente o impacto das livrarias independentes no Porto.
Dada esta importância, deveria existir um apoio mais consistente do Ministério da Cultura, com programas especificamente dirigidos a este nicho cultural, como acontece em vários outros países. Actualmente, se não estou em erro, o único programa em vigor é o de apoio à transição digital das livrarias, inserido no PRR. No entanto, este tipo de ajuda, embora útil, não aborda diretamente os principais desafios que estas livrarias enfrentam. O apoio à sua sobrevivência e crescimento requereria uma estratégia mais abrangente e direcionada.
5. O que fazer a partir daqui?
Acredito que uma megastore como a FNAC na Baixa seria essencial, especialmente pela sua capacidade de atrair e fixar um público mais vasto. Contudo, não vejo a FNAC como uma concorrente direta das livrarias independentes, pois operam em segmentos distintos. Não é razoável imaginar que o público habitual deste tipo de lojas vá migrar para as livrarias independentes, já que estas últimas não oferecem o tipo de livros que esse público procura mas também porque estas se encontram dispersas pela cidade. Na verdade, defendo até que a presença da FNAC teria um efeito positivo no mercado livreiro em geral, ao facilitar o acesso à cultura impressa e democratizá-la. Esta é, afinal, a função das lojas-âncora no desenvolvimento de um ambiente comercial urbano mais diversificado e vibrante.
Dito isto, há ainda muito a fazer para reforçar este ecossistema. Por exemplo, a Universidade do Porto poderia desempenhar um papel mais ativo na oferta cultural, disponibilizando aos seus alunos e à cidade uma plataforma sólida de divulgação de conhecimento académico e científico. A atual livraria da Reitoria é, no mínimo, decepcionante e não está à altura da instituição que pretende ser a melhor universidade de Portugal. A criação de uma ‘Livraria Académica Internacional’, que reunisse publicações da UP, de outras universidades nacionais e de instituições internacionais de prestígio, colocaria o Porto no centro do sector livreiro académico, dando à cidade uma nova dimensão cultural.
Também gostaria de referir as livrarias dos nossos museus, que carecem de atenção. Quando visito museus no estrangeiro, perco frequentemente horas nas suas livrarias, que se afirmam como extensões naturais dos projetos expositivos. Entre nós, este conceito é praticamente inexistente. Encontramos, na melhor das hipóteses, alguns catálogos desatualizados e publicações poeirentas. Mesmo Serralves, que já teve uma livraria notável sob a gestão da saudosa Leitura, está a perder relevância, com o espaço a ser gradualmente tomado por souvenirs e merchandising.

A nível de política local, reconheço que os instrumentos disponíveis são limitados, mas não são nulos. Quando soubemos do encerramento da Latina, foi particularmente desanimador ouvir o presidente da câmara dizer: “O presidente da câmara nada pode fazer, pode apenas chorar como os outros“. Esta afirmação é infeliz, pois, na sua posição, ele tem responsabilidades especiais, representando os cidadãos. No mínimo, Rui Moreira poderia ter escrito uma carta de protesto dirigida ao Grupo Infinitas Learning em nome da cidade e, idealmente, emitido um comunicado oficial de censura, dado o impacto significativo desta decisão no património imaterial e na paisagem cultural do Porto. Tendo em conta que Rui Moreira já foi bastante vocal em outros casos, como no das decisões da Metro, não vejo porque não agiria de forma semelhante neste caso. Além disso, poderia ter explorado a possibilidade de uma solução negociada, na qual a câmara criasse condições ou mediasse uma proposta para manter a Latina em funcionamento como livraria, por exemplo, através da aquisição do espaço seguida de um concurso de concessão.
Já agora, os instrumentos legais que o presidente reclama para limitar a abertura de lojas de souvenirs, a serem outorgados, poderiam ser igualmente usados para assegurar a permanência de estabelecimentos com características estratégicas para a identidade e coesão social e cultural da cidade, como é o caso da Latina e de muitos outros em diversos sectores de atividade.
Um exemplo positivo de política local no apoio ao setor livreiro é a Feira do Livro do Porto, que se revelou um sucesso. A relocalização da feira nos Jardins do Palácio de Cristal, o desfasamento em relação à Feira do Livro de Lisboa, o corte com a APEL, e o foco nos livreiros em detrimento das editoras, aliado a um programa cultural abrangente, foram estratégias acertadas. Para os livreiros independentes, este evento anual é uma oportunidade crucial tanto em termos de visibilidade como de receita. No entanto, o seu único defeito é ser um evento de periodicidade anual, deixando os restantes meses sem qualquer iniciativa semelhante.
O desafio que lanço aqui é que a autarquia, que já demonstrou ter o know-how necessário, considere a organização de uma espécie de feira permanente do livro. O espaço ideal poderia ser o patamar superior do Mercado do Bolhão, que inexplicavelmente permanece devoluto. Este local tem todas as condições: centralidade, espaço, e interligação com outras atividades comerciais. Poderia ser criado um mercado semanal do livro, aos sábados, e, em sonhos mais ambiciosos, até um mercado com bancas permanentes. Isto permitiria rentabilizar o investimento no Bolhão, diversificar o público e oferecer aos livreiros uma oportunidade de gerar receitas complementares. Além disso, seria um importante passo na criação de um cluster cultural centrado no livro e qualificaria ainda mais a oferta turística da cidade. Seríamos o único mercado de frescos no mundo a partilhar o seu espaço com um mercado de livros. Os ingredientes estão todos lá; só falta ligá-los.
[NOTA 1: Por razões de economia de espaço e por se tratar de um segmento que se rege por toda uma outra lógica, deixei o universo dos alfarrabistas para outra oportunidade. No entanto, estou perfeitamente consciente do importante papel que desenvolvem no mercado livreiro da cidade]
[NOTA 2]: Post editado a 16.10.2024 com o acrescento da Livraria da Ordem dos dos Arquitectos e a Circo de Ideias]