Um Passeio de Compras a 80 metros de altura


Metro do Porto: O Serviço Público que se serve a si mesmo

A Metro do Porto começou as suas obras em 2002. Já lá vão 22 anos. Desde então, é óbvio que as suas intervenções têm incomodado, e muito, as zonas onde operam. Não só quem por lá circula, mas principalmente os residentes e quem trabalha na área. Comerciantes e serviços foram gravemente afectados, alguns até tiveram de fechar portas. Tudo isto foi feito, dizem-nos, em nome do bem comum: para implementar um sistema de transporte público que vem tapar o buraco que os actuais transportes da Área Metropolitana do Porto deixaram escancarado. E, de facto, a cidade já teve transportes públicos de topo – nos anos 20 até aos 70, funcionava uma rede de eléctricos, tróleis e autocarros que era invejável. Depois, não sei bem a quem devemos culpar, mas conseguiram desmantelar essa rede excelente e, ao longo de várias opções e experiências falhadas, arruinaram um serviço que até então cumpria.

A construção do Metro do Porto exigiu de todos nós um investimento significativo, tanto em termos financeiros quanto em qualidade de vida. No entanto, a sensação é de que as decisões ao longo dos anos foram tomadas sem levar em conta as necessidades e as opiniões dos cidadãos. A ausência de diálogo e a imposição de soluções prontas demonstram um distanciamento entre a empresa e a população, gerando um sentimento de frustração e desconfiança. Quem decide não ouve nem os autarcas, muito menos os cidadãos. Imbuídos de financiamentos europeus, com a promessa de fazer infraestruturas e reabilitar o espaço urbano, impõem ditatorialmente as suas escolhas, não ouvem o Planeamento e as câmaras, em vez de se insurgirem, acabam por consentir. Quanto aos cidadãos, coitados, que pouco ou nada percebem de transportes, o melhor mesmo é ficarem caladinhos. Afinal, os “especialistas” têm sempre razão – e quem somos nós para questionar os génios que nos dão filas e obras intermináveis como presente?

Assim se passaram 22 anos. Conseguimos, de facto, um novo sistema de transportes, embora apenas uma pequena parte seja digna desse nome e esteja subterrânea. O resto é um “light rail” que se replica em várias cidades do mundo, mas que lá fora convive com os outros meios de transporte, sem asfixiar artérias centrais como a Avenida da República, em Gaia, ou a Brito Capelo, em Matosinhos.

Agora, a cereja no topo do bolo é o “Metrobus”. Um projecto cujas vantagens ainda ninguém conseguiu explicar, cujas obras “acabadas” são um exemplo perfeito da falta de planeamento e execução, e cuja forma de financiamento assenta num investimento astronómico, que culmina com a construção de uma central de hidrogénio que à data nem sequer começou. E, tal como no resto, o Metro não ouve nem as queixas da autarquia, nem o “gozo” da população. Isto tem um nome que fica muito mal numa empresa pública: prepotência.

Entretanto, as obras da linha Rosa e da linha Rubi seguem em frente. Mais um exemplo desta mentalidade de imposição. Atrasos de mais de um ano na linha Rubi? Claro, e ninguém dá uma explicação.

A linha Rosa, por outro lado, tem sido a menina dos olhos da empresa, com direito a toda a sua propaganda. Até inclui uma ponte! Mas o pior é que, tal como de costume, os projectos nunca são o que parecem. Mostram-nos um esquisso inicial e depois, no final, apresentam-nos uma obra completamente diferente.

Sobre a nova ponte D. Antónia Ferreira, destinada ao Metro e aos peões, nem vou discutir a sua necessidade ou a sua utilidade – o serviço aqui implantado devia estar na VCI, que um dia, mais cedo ou mais tarde, terá de ser transformada numa avenida urbana. Mas isso, infelizmente, é um assunto batido, que repito vezes sem conta. Contudo, neste caso específico, e face aos acontecimentos, é uma batalha para outra altura.

A ponte, tal como está planeada, teria como função a cumprir: servir os transportes públicos – Metro, os meios de transporte leves – trotinetes, bicicletas, e os peões. Só que o Metro decidiu mudar os planos. Após ter apresentado umas imagens em 3D do encontro da ponte com as margens, onde representava do lado do Porto uma praça, esplanada e um elevador, assim como do lado de Gaia igualmente uma praça e um elevador, agora os elevadores nos pilares da ponte, que permitiriam o acesso fácil às populações ribeirinhas, foram riscados.

Vamos então entender a brilhante lógica por detrás desta decisão. As populações de Massarelos até à Cantareira e, claro, os habitantes da Afurada, não têm acesso à ponte pedonal, porque o Metro assim o decidiu, na sua infinita sabedoria. Mas não se preocupem, há uma alternativa fantástica: subir uns modestos 80 metros de altura, dar um pulinho ao Arrábida Shopping ou ao Shopping Cidade do Porto, fazer umas comprinhas — porque o exercício abre o apetite para consumir — e só depois, devidamente carregados com sacos, seguir em direcção à ponte.

Mas então, para quem é este “serviço público”? Porque, ao que tudo indica, não é para as pessoas. É uma empresa que se serve a si própria, de maneira tirana e arrogante, como se as necessidades dos cidadãos fossem um mero incómodo. E as autarquias? Estarão ao corrente disto? Mesmo com as suas queixas e exigências na Assembleia Municipal, será que vão continuar a consentir este teatro? Será preciso que sejamos nós, os cidadãos, a sair novamente à rua, como fizemos com o Metro da Boavista? Ou será que ainda há esperança de levar este Metro a uma verdadeira mesa de diálogo?
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(publicado no Jornal de Notícias de 2024/11/02)

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