Avenida da Ponte (Regresso III)

Pensei, por vezes, em revisitar este tema que, confesso, me deixa sempre num misto de indignação e resignação. Passado mais de um século, continuamos a olhar para este degredo urbano como quem assiste a um filme que nunca chega ao fim. Por um lado, porque parece que se tornou num tabu, algo que já ninguém quer discutir, como se o problema tivesse sido enterrado debaixo de décadas de omissões. Por outro, porque traz à memória o tal “grande” projecto de Siza Vieira que nunca viu a luz do dia, e a sensação de que, no Porto, temos o dom de perpetuar obras de Santa Engrácia. Aqui neste “Norte” é dos poucos lugares, onde vejo voltar a falar sobre este assunto.

O Porto tem destas coisas. Se olharmos para a construção do edifício da Alfândega e tivermos a paciência de estudar as demolições absurdas que se fizeram em nome dessa empreitada, talvez nem fiquemos tão chocados com o que aconteceu na Avenida da Ponte. Construir é sempre destruir, mas “destruir” património e cultura parece ser um hábito bem enraizado. Mas pior ainda que a tal avenida, que já é um monumento ao erro, é o desleixo total em relação à ponte D. Maria. Aqui, não é só a cidade que falha, é o país inteiro, incapaz de preservar um dos seus maiores legados de engenharia.

E volto a repetir: estas áreas não podem, não devem, nem têm qualquer justificação para serem pensadas como zonas mono-funcionais. Insistir em torná-las exclusivamente habitacionais, e pior, destinadas apenas a habitação social, seria o mesmo que voltar a criar guetos na área histórica da cidade. Não aprendemos nada? Estas zonas centrais têm de ter usos mistos, uma verdadeira urbanidade que lhes devolva vida e diversidade, ao invés de as condenar a espaços segregados e sem alma.

Quanto à Avenida propriamente dita, o problema é óbvio. Não faz sentido que mantenha as dimensões actuais, em particular a sua largura desproporcional. O espaço deveria ser redesenhado para se transformar numa rua com diferentes níveis e patamares, integrando praças e pracetas que criassem uma transição mais natural até à cota alta. Quanto às construções, estas deveriam ser pensadas com diversidade de desenho e autoria. Nada de megaprojectos uniformes que criam monstros urbanos como o quarteirão D. João I. A escala tem de ser humana, os edifícios têm de dialogar com a história do espaço, não esmagá-lo.

Não tenho muito mais a acrescentar ao que já disse anteriormente, mas reforço: é urgente abrir uma discussão pública sobre o programa a desenvolver para esta área da cidade. Mais do que isso, esta discussão deveria ser alargada a outras zonas problemáticas do Porto, que aqui já referi em texto anterior. No final, a solução teria de passar, inevitavelmente, por concursos de ideias — porque, se há coisa que nos falta, é planeamento. E planeamento sério, sem pressões políticas nem interesses escondidos. A cidade merece, mas sobretudo, as pessoas merecem. E é por elas que, ao fim de tanto tempo, ainda vale a pena insistir neste debate.

(fotos: Arquivo da Câmara Municipal do Porto)

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