Rua Afonso Baldaia
O discurso de inclusão parece ter chegado também ao urbanismo, onde até os edifícios começam a ganhar novas identidades.
No novo PDM do Porto, surgiu uma interpretação curiosa e peculiar sobre os géneros de edificação, com a introdução de categorias como “Edifícios do Tipo de Moradia”. Esta designação reflecte uma abordagem “inovadora”, mas que levanta dúvidas quanto à sua clareza e ao alinhamento com os conceitos técnicos já definidos.
O Estado Português, através do Decreto Regulamentar nº 5/2019, estabelece de forma clara os conceitos técnicos no domínio do ordenamento do território e do urbanismo. Segundo este decreto, as “moradias” são edifícios cuja totalidade é ocupada por um único fogo, subdivididas em categorias específicas:
- Isolada: quando o edifício está completamente separado de qualquer outro edifício (com excepção dos seus edifícios anexos);
- Geminada: quando os edifícios se agrupam dois a dois, justapondo-se através da empena;
- Em banda: quando os edifícios se agrupam em conjunto de três ou mais edifícios contíguos.
Por outro lado, define também o conceito de “Apartamento”, quando o fogo é parte de um edifício, ao qual se acede através de espaços comuns, nomeadamente átrio, corredor, galeria ou patamar de escada.
No entanto, no PDM do Porto, a ideia de “moradia” é substituída pela categoria “Edifícios do Tipo de Moradia”, que não tem correspondência directa com estas definições claras do decreto. Este conceito parece criar uma área cinzenta, aplicando-se a locais onde se espera encontrar moradias, mas também podendo abranger outros usos. Assim, a classificação tradicional perde alguma precisão.
Este tipo de abordagem levanta ainda preocupações sobre o impacto que poderá ter na gestão urbana e no ordenamento do território, especialmente em zonas predominantemente residenciais. Enquanto o objectivo pode ser o de criar flexibilidade no uso do solo, a falta de clareza pode, de facto, gerar consequências significativas, não só na interpretação dos regulamentos, mas também na implementação de políticas urbanísticas eficazes.
Quando os conceitos são vagos ou demasiado flexíveis, abrem-se brechas para interpretações arbitrárias que podem levar a favorecimentos pouco transparentes e a decisões que carecem de uma lógica rigorosa e adequada à gestão pública.
Aqui seguem alguns exemplos das construções “Tipo Moradia”
Av. da Boavista (fonte)
Avenida Brasil (fonte)
Rua de Fez
Não sei se dá vontade de chorar ou rir. No PDM portuense, “moradia” não é bem “moradia”. É “Tipo Moradia”. Para quem não percebeu, é como se fôssemos dizer: “Esta casa é… tipo uma moradia, mas pode não ser. Depende do que ela quiser ser.” E o melhor? Não interessa onde. Pode ser no meio de um bairro de moradias ou num prédio de três andares com elevador e garagem subterrânea. O importante é respeitar os sentimentos do imóvel.
E assim, o Porto inaugurou a era da Arquitectura inclusiva. Um pequeno passo para os PDMs, um grande salto para a humanidade dos edifícios.