PORTO + NORTE


  • Ponte Maria Pia

    Por uma publicação antiga da CP, impressa por ocasião do Centenário da ponte Maria Pia sobre o Douro (1877-1977), fiquei a saber que “A ponte chamou-se D. Fernando, o rei Artista, até à inauguração, altura em que a rainha autorizou a que lhe fosse dado o seu nome — Maria Pia.”

    Do livro «Apontamentos para a História dos Caminhos de Ferro Portugueses», de Frederico Pimentel, publicado em 1892, transcreve-se:

    «Ainda antes do começo dos trabalhos para a construção das linhas férreas a norte do rio Douro, já o Governo tinha intimado a Companhia Real dos Caminhos de Ferro a completar a linha do Norte até ao seu término, no Porto, em conformidade com a lei de 1866. A Companhia apresentou uma solução que tornando muito menos extensa a ligação das Devezas com o Porto, dava também boa inscrição para as linhas do Minho e Douro. A directriz que foi escolhida e aprovada vence o Douro onde as suas margens são as mais escarpadas e o vale mais profundo, abrigando a trabalhos muito importantes tanto numa como noutra margem, sendo a ponte de Maria Pia uma das concepções mais arrojadas em construções desta ordem.

    A altura do tabuleiro desta tão notável como elegante obra d’arte moderna é, sobre a maior baixa-mar, de 61,30 m e a sua extensão total, incluindo os viadutos marginais, é de 352,875 m, tendo o arco central 160,00 m de corda e 37,5 m de flecha. O projecto desta gigantesca obra de ferro foi apresentado pelo Engenheiro Eiffel no concurso que para este trabalho se abriu entre as principais casas construtoras de França. A construção desta obra começou em 5 de Janeiro de 1876 e terminou em 28 de Outubro de 1877.

    É assombrosa a rapidez e precisão com que foram executados tão importantes como difíceis e delicados trabalhos. O elegante arco da ponte Maria Pia, o maior do mundo de então, foi construído sem recorrer aos andaimes, que se julgavam se não impossíveis pelo menos quase que impraticáveis e perigosos. O novo traçado obrigou ainda à construção de 3 túneis, sendo de 202,20 m de extensão o da Serra do Pilar, de 113,50 m o do Seminário e de 77,25 m o da Quinta da China, além de um viaduto aquém da estação de Gaia, de 109,00 m de extensão, formado de 5 arcos de 12,00 m de luz cada um, tendo 23,00 m de altura máxima.»

    A ponte chamou-se D. Fernando, o rei Artista, até à inauguração, altura em que a rainha autorizou a que lhe fosse dado o seu nome — Maria Pia.

    O comboio inaugural, por alvitre do rei D. Luís, não transportou toda a família real, pelo que após a chegada a Campanhã regressou ao ponto de partida, a entrada da ponte, para transportar o príncipe real, os infantes e outros convidados. O comboio real era formado por vários salões, dois dos quais, o de Maria Pia e o do Príncipe, ainda podem circular. São os mais antigos existentes em Portugal, sendo de 1858 o primeiro, que foi oferecido, em 1862, pelo Pai da então princesa Maria Pia, o rei Humberto de Itália. O salão do Príncipe é de 1877. Existe ainda, e devidamente resguardada, a locomotiva que rebocou o comboio real. Trata-se de uma valiosa peça de Museu.

    O «Diário do Governo» de 6 de Novembro de 1877 referiu-se ao acontecimento, por ter tido a presença da família real, nos seguintes termos:

    «Porto, 4 de Novembro, às nove horas e vinte e cinco minutos da tarde.
    Ex.mo presidente do conselho de ministros. — Lisboa.
    Suas Magestades e Altezas continuam sem novidade em sua importante saúde.
    Às duas horas teve lugar a inauguração da ponte sobre o Douro, sendo Suas Magestades recebidas com as maiores demonstrações de regosijo. Era enorme o concurso de espectadores, que todos festejaram Suas Magestades com entusiásticas saudações. Depois do lunch na estação de Campanhã, onde os brindes a Suas Magestades foram calorosamente correspondidos, seguiram Suas Magestades para o paço, e agora que são oito horas da noite vão assistir à inauguração da iluminação da ponte. —(L. S.)=O governador civil, Agostinho da Rocha.»

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  • Fórum climático

    Sábado realiza-se no Auditório da Junta de Freguesia de Campanhã um Fórum Climático. De vizinhos para vizinhos. Parte da convicção que as cadeias de valor devem ser locais e de proximidade. E que todos tem algo a acrescentar ou a até a diminuir. Dirige-se especialmente a optimistas do futuro. Não é contra nada, nem contra ninguém, por isso estão todos convidados.

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  • Porto: Cidade de Turismo

    1. Overtourism

    Devem ser raros os conceitos com certidão de nascimento e paternidade conhecidas. Pelo menos, é o que o CEO da Skift alega quando se refere a Overtourism. Rafat Ali não se cansa de reclamar a autoria do conceito e até garante que foi a 14 de junho de 2016 que o terá dado à luz. É uma reivindicação que tem sido muito contestada e googlando o termo é possível encontrá-lo, aqui e ali, em datas bem anteriores. Independentemente de quem terá cunhado a palavra, algo absolutamente acessório (a não ser que lideres uma publicação, com aspirações, dedicada ao turismo como é o caso de Rafat Ali), a verdade é que terá sido a partir da publicação de um artigo na Skift sobre os excessos do turismo na Islândia (já agora, recomendo também este pequeno artigo, mais recente,  sobre o caso de Lisboa), que o conceito ganhou asas e se tornou viral. Foi adoptado pela comunicação social, nas redes sociais evoluiu para ideia-meme, a academia deixou-se seduzir produzindo vários km de teoria inspirada por este e em 2018 Overtourism é uma das palavras no ano para os dicionários de referência Oxford Dictionary e Collins Dictionary. Nesse mesmo ano, a Organização Mundial do Turismo das Nações Unidas (UNWTO) publicou o importante relatório ‘Overtourism’? – Understanding and Managing Urban Tourism Growth beyond Perceptions (não deixando de fazer a devida vénia à Skift que terá criado e registado o conceito!). Era óbvio que tocava num ponto sensível para as sociedades contemporâneas e é fácil de perceber porquê: o trânsito, em 2019, de 1466 milhões de turistas internacionais à escala global, aos quais devemos juntar ainda os turistas internos, não pode deixar de ter consequências. Esta é, de facto, a Era do Turismo. 

    No relatório da UNWTO referido no parágrafo anterior, Overtourism é definido como:

    impacto do turismo num destino, ou partes dele, que influencia excessivamente a qualidade de vida percepcionada dos cidadãos e/ou a qualidade das experiências dos visitantes de uma forma negativa

    Nesta definição, o conceito de Overtourism não é sequer vizinho do conceito de turismofobia porque tem em conta o impacto do excesso quer na experiência dos próprios turistas, quer na qualidade de vida dos residentes. 

    2. Capacidade de carga

    Nem sequer vamos discutir o peso da indústria do turismo da economia nacional: 16% do PIB e meio milhão de empregos falam por si. Podemos ainda acrescentar que, no caso do Porto, que é ao sector turístico que devemos o principal impulso no processo de reabilitação do património degradado, mas, mesmo assim, é legítimo questionarmo-nos sobre a sua  sustentabilidade e sobre o seu impacto nas cidades e na qualidade de vida dos cidadãos. A primeira coisa que nos perguntamos é se não serão demais. Qual a capacidade de carga? Em 2022, por cada residente no Porto havia nove turistas e meio. Um dos rácios mais elevados em todo o mundo. Aliás, Portugal faz parte de um grupo restrito de países em que o número de turistas supera o número de habitantes. Este rácio tem-se agravado progressivamente (em 2012 a proporção era de quatro turistas por residente) e, a avaliar por 2023 não se ficará por aqui já que se anuncia como o ano de todos os recordes.  A tendência é para que este rácio se desequilibre ainda mais, quer pela fuga da população, quer pelo aumento expectável de turistas. É preciso que se note que este valor é calculado pelo nº de turistas que pernoitam no concelho, sendo cego relativamente às visitas ida-e-volta tipo excursão, como é, por exemplo, os que chegam via Terminal de Cruzeiros, bem como para os que ficam hospedados em concelhos vizinhos com forte conectividade com o Porto, como é o caso de Vila Nova de Gaia e Matosinhos. O número de camas registadas (outro assunto será o número de camas disponíveis no mercado paralelo) mais que duplicou numa década: se em 2012 eram 21.422 camas, em 2022 eram 43.782. Recentemente soubemos que está em curso o licenciamento de novas 139 unidades hoteleiras. A dúvida que nos assalta é se aguentamos com este peso. Não sabemos ao certo qual a capacidade de carga das nossas cidades, isto é, quantos turistas podemos receber sem entrarmos em ruptura. Não há uma resposta única e definitiva, não há um rácio mágico de número de turistas por habitante. Apesar do conceito estar muito ligado a dados objetivos, a variedade e especificidade local de cada cidade e a forma como as variáveis se relacionam entre si, tornam impossível encontrar uma métrica universal. A capacidade de carga de cada cidade depende da sua dimensão, do número de habitantes, da rede de transportes, do tipo de malha urbana e características dos arruamentos (por exemplo, basta haver passeios estreitos para que a capacidade de carga se reduza drasticamente), do número disponível de imóveis para equipamentos de alojamento, restauração e diversão e até das própria rede de infraestruturas básicas como saneamento, águas (em alguns destinos, a escassez de água agravada pelo excesso de população basculante gerada pelo turismo, a capacidade de carga é claramente ultrapassada), energia e internet, da robustez dos serviços (saúde e outros) e até das próprias condições de segurança. Em 1983, a Organização Mundial do Turismo estabeleceu que:

    capacidade de carga é a capacidade de suporte ou tolerância de uma área para acolher um número de visitantes sem alterar o seu estado natural

    Esta definição traz implícita a ideia de que há um limite natural ao crescimento turístico. Nem as cidades são todas iguais e nem todos os bairros dentro de cada cidade são iguais, possuindo características que determinam uma maior ou menor  capacidade de carga. Por exemplo, os bairros históricos, pela sua morfologia e condicionantes patrimoniais, sobretudo se forem centros históricos classificados, apresentam, à partida, uma menor capacidade de carga quando comparados com outros bairros, mas acontece que são precisamente os bairros históricos que, por norma, são os mais atrativos e que acabam por suportar a maior carga. Pensemos nos caso do Porto:  os turistas aglomeram-se na espinha dorsal que vai do Morro da Serra do Pilar, Ponte D. Luís, Ribeira, Sé, Flores, Aliados e que depois abre as badanas, como um bacalhau, para a esquerda no sentido dos Clérigos, Galerias de  Paris, Lello, e para a direita, no sentido de Santa Catarina e Poveiros. É aqui que está o epicentro desse terremoto.

    3. Um AL, dois ALs, três ALs… 10506 ALs (and counting…)

    É ainda inevitável olharmos para o impacto que o turismo tem no acesso à habitação. Naturalmente, não podemos assacar todas as responsabilidades ao sector.. Haverá com certeza outras variáveis tais como as políticas dos vistos gold e de proteção dos chamados “nómadas digitais”, do regime especial dos residentes não habituais, das escolhas dos agentes do mercado e do próprio desinvestimento público na habitação, mas não é possível ao sector do turismo enjeitar a sua quota parte de responsabilidade na crise da habitação, até porque pela sua extrema visibilidade é percepcionado pelo público em geral como a principal causa, contribuindo de forma decisiva para a construção de uma percepção negativa sobre o sector. Há coincidências que não podem ser simples correlações, como, por exemplo, as freguesias com preços que aumentaram de forma dramática nos últimos anos e que entraram em processo de perda populacional ou de recomposição social são aquelas que sofrem uma maior pressão turística. O estudo encomendado pela CMP à Universidade Católica procura construir uma medida de pressão do AL sobre a habitação, ou seja, um rácio resultante do cruzamento do número de ALs (obtido pelos registos de licenciamento e taxas turísticas cobradas) e a oferta de habitação (medida a partir do número de contadores de água domésticos activos). Por mais falível que seja metodologia, trabalha a partir de dados fiáveis e relevantes e permite obter uma radiografia, a qualquer momento, da evolução do rácio. É, portanto, um instrumento valioso na regulamentação municipal do AL. Os dados obtidos não decepcionaram e confirmaram a percepção generalizada de que havia partes do território do município profundamente desequilibradas. Os números (neste link, não deixem de consultar também o mapa) são bastante impressivos: 

    Daqui resulta a publicação do Regulamento Municipal para o Crescimento Sustentável do Alojamento Local do Porto que prevê, não obstante uma grande quantidade de excepções previstas, uma área de contenção envolvendo as Freguesias de Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, São Nicolau e Vitória, sendo que o resto da cidade é considerada – e passo a citar – “Áreas de Crescimento Sustentável” onde poderão ser aprovados novos ALs de acordo com um limite pré-estabelecido. Por mais limitada que seja esta abordagem, ela evidencia a tomada de consciência de que a capacidade de carga havia sido excedida. Todavia, não se vê aqui uma tentativa de correcção e de alívio das zonas mais sacrificadas (de tentar redistribuir o mal pelas aldeias), mas apenas tão só de congelar a situação nas freguesias críticas e aquecer as freguesias mais tranquilas.

    4. Entretanto, lá fora…

    As primeiras notícias da bulimia turística vieram de Amsterdão, Barcelona e Veneza. O padrão que se lê por detrás  da especificidade de cada uma das cidades, é sempre o mesmo: o excesso leva à contestação popular e a contestação popular à implementação de políticas restritivas.  Em Amsterdão (que em 2018 recebeu 19 milhões de visitantes!), o governo local soube interpretar o mal estar da comunidade e tomou medidas como reforçar a fiscalização e aplicar multas pesadas sobre o consumo de álcool na via pública, a penalização de comportamentos como barulho nocturno, urinar nas ruas, deitar lixo no chão, baniu autocarros turísticos e cruzeiros, decidiu transferir para uma localização periférica o «Red Light District», que era um dos principais pólos de atracção turística (medida que está longe de ser pacífica), proibição de venda de canábis a não residentes e, sobretudo, congelou o licenciamento de novos hotéis e restringiu fortemente o funcionamento das licenças Airbnb que passaram a ter uma validade de apenas 30 dias por ano. Em Veneza (20 milhões de turistas/ano), apesar de poucos (50 mil na zona central) e dependentes do turismo, os moradores têm-se manifestado de forma ruidosa, em especial contra os grandes navios de cruzeiro, mas não só. A degradação dos serviços, nomeadamente do comércio local cada vez mais sequestrado pela indústria do turismo, e o elevado custo da habitação têm sido motivo de manifesto descontentamento por parte da população. Neste caso, os governantes não têm sido tão expeditos e radicais como os seus congéneres de Amesterdão. No entanto, a proibição dos navios de cruzeiro parece ser ponto assente e avançou-se para uma medida radical para tentar controlar a maré diária de visitantes  com a cobrança de uma taxa (10€) aos turistas que pretendam visitar a cidade. Esta medida, contudo, também não é pacífica porque para os residentes Veneza é uma cidade e não um parque temático para ser cobrado um bilhete. Barcelona, a mesma Barcelona do invejado e exportado “Modelo Barcelona”, o mesmo modelo odiado e denunciado por muitos (ver, por exemplo, Manuel Delgado que a apelida de “cidade  mentirosa”, “fraude”, “miséria” e “cidade-negócio”) talvez vítima do seu próprio sucesso, vê-se a braços com 20 milhões de visitantes por ano. O que não é um problema menor. O mal estar da população tem vindo a crescer, tornando-se cada vez mais visível e vocal. Primeiro surgem graffiti nas paredes e desabafos nas redes sociais e, depois, as manifestações. O que está em causa é o comportamento turbulento dos turistas que leva a muitos catalães a levantarem a voz contra «turisme de borratxera» mas também, como em muitas outras cidades, o problema da habitação agravado pela captura do alojamento disponível pela indústria do turismo. Quando o governo local finalmente reconheceu a dimensão do problema, implementou uma série de medidas: fiscalização do alojamento ilegal, moratória no licenciamento de novos alojamentos, proibição de novos hoteis em determinadas localizações e desenvolvimento de regulamentos específicos para os bairros mais afectados.

    5. O Portal

    O que estas experiências nos dizem é que as cidades, por norma, só tomam medidas quanto ao impacto do turismo quando é atingido o ponto William Blake: “You never know what is enough unless you know what is more than enough.” É evidente que a ruptura da capacidade de carga não tem a ver apenas com a capacidade física e material das cidades absorverem, suportarem e digerirem turistas. Há todo um conjunto de variáveis e circunstâncias não mensuráveis que levam a uma rejeição abrupta dessa espécie de colonização. Um dia acordamos e não nos sentimos mais em casa apesar de, a partir da nossa janela, a paisagem continuar a ser a mesma de sempre. A percepção dessa ruptura é o que se chama de overtourism. Esta percepção é construída não só a partir de elementos duros que se impõe de forma dramática como a dificuldade em conseguir uma casa e a consequente periferização da vida nas orlas da cidade, mas também por elementos leves, quase imperceptíveis, mas que acumulados pela experiência quotidiana de cada um de nós se tornam decisivos. Pode ser a nuvem de tuk-tuks ou o comboiozinho a atravessar em ritmo de cortejo fúnebre a ponte do Infante, entalando atrás de si todo o trânsito; pode ser a constatação de que a casa de ferragens centenária é agora um cocktail bar; pode ser que já não se pode ir ao Bolhão comprar cebolas sem apanhar com um magote de turistas timeoutizados a beber copos de vinho e a sorver ostras; pode ser aquela conversa de circunstância, na Baixa, «lembras-te de quantos bancos havia nesta rua?»; pode ser a dificuldade cada vez maior em encontrar um sítio onde se possa tomar um simples cimbalino; poder ser a sensação de que os lugares de sociabilidade dos residentes são cada vez menos e cada vez mais a noite se transforma numa espécie de festa de erasmus permanente; poder ser a omnipresença das placas AL e as carrinhas estacionadas em cima do passeio, pela manhã, a trazer lençóis e toalhas lavados para a próxima leva que está a caminho; pode ser quando desistimos de almoçar ou jantar nos territórios ocupados entre o Douro e a Constituição porque agora só servem coisas como “experiências” ou o “melhor-não-sei-quê-do-mundo” ou “hambúrgueres artesanais” (o que só prova que os oxímoros também se comem) ou qualquer coisa igualmente genérica que pode ser encontrada em qualquer outra cidade que esteja a passar pelo mesmo; poder ser quando verificamos que já quase não se comem tripas na cidade dos tripeiros (um dia, teremos, de certeza um Museu das Tripas para lavar as consciências); pode ser quando nos lembramos de que a Lello era uma livraria e não uma casa de passe; pode ser quando verificamos que em S. Bento são mais os turistas do que os passageiros; pode ser os menus em inglês apenas inglês; pode ser quando percebemos que existem mais lojas de souvenirs asiáticos do que farmácias, mercearias e bancos todos juntos; pode ser quando temos de nos preparar mentalmente para suportar a fila de turistas atarantados na caixa do Pingo Doce; pode ser quando nos lembramos de que os eléctricos já foram um transporte público; pode ser quando nos dizem o Elevador da Lada vai deixar de ser um equipamento de apoio às populações locais para se tornar num equipamento turístico (€2 por cabeça) por via das “vistas únicas” (CMP dixit); pode ser quando percebemos que se anuncia um “mercado” Time Out em São Bento na mesma semana em que se levanta a possibilidade, mesmo ali ao lado, de demolição do mercado de São Sebastião; pode ser quando somos acordados sobressaltados às 3 da manhã com o fogo de artifício; pode ser quando vemos um rabelo a passar a toda bolina, como um gasolino, carregado de turistas dando a volta que leva a lado nenhum entre o Freixo e a Foz; pode ser quando enésima centésima vez nos páram para perguntar como se vai para Ribeira ou para a Ponte D. Luis; pode ser o barulho dos músicos falhados que tomaram de assalto as ruas para extorquir algumas moedas aos turistas; pode ser as efabulações mais ou menos inocentes da tribo dos guias turísticos à solta pela cidade; pode ser a impressão de que cada vez é mais difícil encontrar na rua pessoas e termos daqueles encontros fortuitos com alguém conhecido (que podemos prezar ou não prezar, isso é irrelevante para aqui) que, ao fim e ao cabo, é o que faz uma cidade ser cidade. Muita gente, mas poucas pessoas. Pode ser tudo isto junto e muito mais. Desafio-vos acrescentarem o vosso próprio “pode ser”. Este alinhamento algo caótico das razões que nos levam a pensar que, às tantas, isto é capaz de ser demais, não são muito diferentes daquelas que qualquer habitante de uma qualquer outra cidade nas mesmas condições, acrescentando aqui um ponto e eliminando outro ali, diria. Os residentes são os primeiros a sentirem a saturação desta cidade pleonástica, que se repete sempre igual, bairro por bairro, e por toda a Europa onde exista uma aeroporto para descarregar turistas low-cost. 

    A cidade tematizada, etiquetada, embrulhada e até falsificada para o entretenimento efémero do visitante, mas inóspita para se viver. Diria que o excesso de turismo corrói a própria urbanidade. Quando uma cidade deixa de ser apenas uma cidade com turismo e passa a ser uma cidade turística, ou seja, quando o turismo deixa de ser apenas uma de entre outras atividades económicas e passa a ser a indústria dominante, algo muda na natureza das cidades. É como se se atravessasse um portal que nos transforma e transforma a realidade em que habitamos.  Mas em que momento exacto se dá esta transformação? Quando é que se dá a travessia desse portal? Marco D’Eramo (sigo a edição espanhola: El selfie del mundo: una investigación sobre la edad del turismo. Já era hora desta obra ser traduzida e publicada entre nós…), apoiando-se em Judd R. Dennis apresenta uma boa resposta para esta questão: em condições normais, o turista usufrui dos serviços pensados para os residentes, mas na cidade turística, são os residentes que têm de usar os serviços pensados para os turistas. Marco D’Eramo exemplifica da seguinte forma:

    Passar esse limiar de transição tem consequências imprevistas e irreversíveis. Isto vê-se de forma clara nos restaurantes. Abaixo do limiar os turistas comem em restaurantes que cozinham para os locais; acima desse limiar, os residentes terão de comer em lugares focados no mercado turístico. Há trinta anos era praticamente impossível comer mal em Roma e em Florença. Hoje é dificílimo comer bem. Por que deveria um restaurante esfalfar-se cozinhando com esmero para um cliente que jamais voltará? (P97).

    Creio que esta experiência soará familiar a muitos de nós. Hoje em dia, almoçar na Baixa e Centro Histórico significa ter de nos sujeitarmos a um serviço que não foi pensado para nós mas para os turistas. A maior parte das vezes, a qualidade ressente-se e o preço exclui-nos. Quem diz isto, diz o comércio em geral com a inultrapassável dificuldade de que nas lojas de recordações dificilmente poderemos encontrar alguma coisa que corresponda às nossas necessidades. Este é um critério diferente do conceito de capacidade de carga porque não é quantificável, mas nem por isso é menos valioso. A  questão se os turistas usam a cidade tal como ela é para os residentes ou se os residentes é que vivem numa cidade  pensada para os turistas, mesmo que não nos leve a uma resposta definitiva, terá pelo menos a vantagem de nos conduzir a uma tomada de consciência da nossa própria identidade e abrir caminho para outras questões complicadas sobre o que é afinal uma cidade e para que serve.

    6. Chuva de Prémios

    O Município do Porto agarrou-se ao turismo como um maná vindo dos céus, mais propriamente da Ryanair, Easyjet & Cia. O esforço colocado na promoção internacional da marca Porto. (não esquecer o ponto, afinal estamos a falar de uma marca registada) chega a ser encanitante. A insistência na perseguição de prémios internacionais mais ou menos prestigiados, mais ou menos transparentes, denota que ainda estamos na fase do «quanto mais melhor» ou «nenhum turista será deixado para trás». A listagem de prémios é uma sucessão de galardões que, de uma forma geral, resultam de processos de votação on-line, o que, de certa forma, está de acordo com o espírito do tempo:

    • Melhor Destino Europeu para Escapadela Urbana 2023 (World Travel Awards)
    • Melhor Destino de Cidade da Europa 2022 (World Travel Awards)
    • Melhor Destino de Cidade do Mundo 2022 (World Travel Awards)
    • Cidade do Ano 2022 (Food and Travel Reader Awards)
    • Melhor Destino Europeu para Escapadela Urbana 2020 (World Travel Awards)
    • Melhor Destino Europeu 2017 (European Best Destinations)
    • Melhor Destino Europeu 2014 (European Best Destinations)
    • Melhor Destino Europeu 2012 (European Best Destinations)

    Paralelamente, muitos outros prémios atribuídos a sectores especializados do sistema de produção turística, tais como o Best of Wine Tourism, vários prémios associados à promoção turística, nomeadamente de filmes promocionais, prémios de imobiliário, de eventos e festivais, de hotéis e equipamentos turísticos. Como devem compreender, vou abster-me de estar aqui a enumerá-los exaustivamente. Tal como não vou aqui reproduzir os recortes de imprensa internacional dedicados ao destino turístico Porto que a câmara colecciona diligentemente no seu próprio painel (porto.pt). Como é natural, neste painel não cabem os artigos críticos. Consistentemente, não tomou qualquer medida de moderação atempadamente, limitando-se a emitir licenças sem atender aos sucessivos alertas até se chegar a uma situação de saturação. Mas mesmo as medidas de limitação de emissão de novas licenças na área de contenção não só são sabotadas por diversas excepções previstas no próprio regulamento, como também prevê a expansão para outras áreas ainda não saturadas. Para além disso, a CMP não prevê tomar qualquer medida limitadora no licenciamento de novos hotéis, os quais continuam a ter, ao contrário dos ALs, carta branca para abrirem as unidades que bem entenderem. Argumenta a CMP que não tem o poder para proibir a abertura de novos hotéis. Também é verdade que nunca ouvimos a CMP, tão vocal noutros assuntos, a reclamar junto do governo poderes para tal. Em todo o caso, convém lembrar que a elaboração de PDMs é da competência municipal e se, em devido tempo, não foi acautelada esta situação, continua ao alcance da CMP despoletar um processo de revisão extraordinária do PDM para limitar o licenciamento de hotéis em zonas críticas. Pode não resolver as licenças em curso, mas estanca a maré no futuro a médio prazo. Só não o faz porque não quer já que depende apenas dela própria.

    7. A política possível

    Para sermos justos, temos de reconhecer que a CMP, para além da definição de áreas de contenção dos ALs, tem tomado várias outras medidas mitigadoras do efeito do turismo, sendo que algumas delas são tomadas em outros contextos, no âmbitos de outras problemáticas, mas que, apesar de desarticuladas com a problemática do turismo, acabam por um efeito mitigador, por mais ténue que seja. Assim, em primeiro lugar, é de referir a criação de uma taxa turística (2017 e revista em 2022), um tipo de medida que apesar de vulgarizada um pouco por todo o lado, demorou a ser adoptada entre nós com o receio de – espante-se – afugentar os turistas. A tendência actual nas principais cidades turísticas europeias é para a subida dos valores ou para a cobrança diferenciada segundo critérios considerados relevantes para a gestão da oferta turística pelos governos locais. Assim, as taxas podem ter um valor diferenciado em função da época do ano, da localização ou da categoria do alojamento. Para já, não parece haver qualquer intenção da CMP alterar a sua política de cobrança de taxas, nem sequer para actualizar o seu valor. Em segundo lugar, a proteção do comércio tradicional através do programa Porto de Tradição (2019). Repare-se que na nota justificativa do regulamento do referido programa justifica-se a medida com a necessidade de “proteção e salvaguarda” dos «estabelecimentos de comércio tradicional local e as entidades de interesse histórico, cultural ou social local, como marca identitária da cidade, bem como salvaguardar as suas características únicas e diferenciadoras e cuja história se funde com a da própria cidade», nunca objectivado de que ameaça em concreto se pretende protegê-las. Naturalmente, apesar de não explicitadas no texto, talvez por motivos de ordem ideológica próprios de um executivo com um pendor claramente liberal, a ameaça tem origem na pressão do mercado imobiliário e da indústria turística, sendo que esta medida protege não apenas o comércio e estabelecimentos históricos, como também, protege a indústria do turismo dos seus próprios excessos porque a preservação destes lugares de tradição, contribui para a qualificação do próprio produto turístico. Todavia, este programa assenta em pressupostos muito limitados na medida em que restringe esta proteção a critérios de valor patrimonial cultural (material e imaterial) e antiguidade. Ora, seria interessante a preservação de comércios e serviços de suporte da comunidade local, tais como mercearias, farmácias, drogarias e outras. Esta rede de comércio de proximidade local, revelou-se importantíssima no apoio às populações durante a pandemia e daí deveríamos ser capazes de extrair as devidas conclusões. Em terceiro lugar, o exercício do direito de preferência nas situações previstas na lei por parte do município. Tal como no ponto anterior, esta medida não se articula diretamente com a política municipal do Turismo mas com a política de habitação, mas como não é possível separar a questão da habitação da questão do turismo, podemos considerá-la aqui. No primeiro mandato, Rui Moreira cortou com a política de alienação do património do seu antecessor, optando por reservar os imóveis municipais para alojamento habitacional e, acessoriamente, iniciou a política de aquisição de novos imóveis através da figura de direito de preferência. Todavia, esta medida tem resultados pouco mais do que simbólicos. Outras iniciativas que, pela sua dimensão, poderiam ter um peso efectivo, como o caso do Monte Pedral, processo que se inicia precisamente pela devolução ao município dos terrenos do Quartel da Rua de Serpa Pinto, continuam a patinar. Em 2019 anunciava o vereador de Urbanismo que no ano seguinte já teríamos obras no terreno, intenção que até à data ainda não se efectivou. Em quarto lugar, a tentativa de disciplinar a movida através do zonamento de horários e de atividades tendo para tal criado um regulamento específico, bem como a figura de Diretor da Movida (não muito longe da figura de gestor/provedor de área urbana proposta em 2013 pela APRUPP, tal como, de resto,a criação de Taxa Turística na mesma Carta de Recomendações). É a mesma situação das medidas anteriores: não se inscrevendo declaradamente numa política de turismo, acaba por se cruzar com esta porque a economia da noite é alimentada , em grande parte, pelo turismo. Manifestamente, a cidade está a sentir muita dificuldade em gerir o fenómeno.  Por último, regressamos às medidas direcionadas diretamente aos turistas, ou seja, falemos do Manifesto do Turista, lançado no final de setembro, já no final da época alta, que nada mais é do que um folheto em inglês (castelhano, francês e, já agora, português não são contemplados vá-se saber lá porquê) que recorda as regras as simples regras de civilidade: não nos roubem azulejos, não bebam demais e não nos mijem as ruas. Não se sabe lá muito bem como porque o folheto não explica, mas estas regras articulam-se com os Objetivos Desenvolvimento Sustentável 2030 das Nações Unidas. Mas, sobre este assunto, por se tratar da única medida visível decorrente do Plano Estratégico para o Turismo do Porto que veio agora à luz sob o título «Visão de Futuro para a Sustentabilidade do destino Porto», vale a pena olharmos com mais calma para este documento porque, em princípio, este deverá conter algumas das respostas para as questões que temos aqui explorado.

    8. Visionários

    A primeira perplexidade é que não existe tal documento ou se existe não se encontra acessível em lado algum. Na verdade, conhecemos muito pouco deste plano. Sabemos que em maio de 2022 foram apresentadas, ao Conselho Municipal de Turismo,  as «ideias gerais», mas na ausência de atas (que já deveriam ter sido publicadas) pouco mais ficamos a saber para além do anúncio da vereadora, que só confirma aquilo que já se esperava: «Estamos a preparar um plano estratégico para o turismo, com prioridade à captação de turistas». Em setembro do mesmo ano, nas celebrações do Dia Mundial do Turismo, Catarina Santos Cunha apresenta sumariamente aquilo que julgamos ser uma versão mais evoluída do plano com a designação «Visão de Futuro para a Sustentabilidade do destino Porto», onde, apesar de tudo, vai avançando com mais alguns pormenores sobre a visão estratégica da cidade para o turismo. Estas generalidades são consultáveis de uma forma muito esquemática e lacónica no flyer publicado no site da CMP. Na falta da publicação do plano (Plano? Qual plano? perguntarão alguns…) e dos estudos que, com certeza, estiveram na base das opções, teremos de nos entender com tão somítica informação, aceitando desde já o risco de tentar preencher os vazios.

    Um aspecto interessante do documento é que elenca uma série de compromissos que, à excepção do compromisso da sustentabilidade ambiental, são apresentados sob a forma de dicotomias: 

    • Autenticidade Vs Modernidade; 
    • Tradição Vs Criatividade;
    • Portugalidade Vs Posicionamento internacional
    • Património Central Vs Potencialidade do resto do território da cidade;

    Este jogo de dicotomias tem aspectos bizarros porque as dicotomias implicam sempre uma certa polaridade, ou seja, terá de haver alguma forma de relação de oposição entre os dois conceitos (frio Vs quente, por exemplo) e o que acontece aqui é que alguns destes termos parecem estar acasalados com o parceiro errado. Esperaríamos que a Tradição se opusesse a Modernidade e a Autenticidade, num certo sentido, a Criatividade. Não tendo sido esse o entendimento de quem esboçou o plano, teremos de assumir que há uma determinada intenção nesta aparente troca de oposições. Assim, quando dizemos que procuramos um compromisso, um meio termo, entre Autenticidade e Modernidade, estamos logicamente a tomar um lugar novo que não é totalmente autêntico. O meio termo, o compromisso, entre um e outro implica uma modernidade que é parcialmente autêntica e vice-versa. O mesmo se passando com a dicotomia Tradição Vs Criatividade que tem o seu ponto de encontro na invenção de novas tradições. As tradições, portanto, passam a ser não autênticas mas criativas. Para percebermos melhor o alcance disto tudo, o melhor será voltarmos a pôr os pés na terra. Estas dicotomias são territorializadas através da dicotomia Património Central Vs Resto da Cidade, ou seja, o compromisso entre as freguesias centrais hiperturistificadas e as freguesias (para este efeito, chamemos-lhes  assim) marginais passa por drenar a procura do Centro Histórico e Baixa para Campanhã, Bonfim e por aí fora. Este transvase será feito através de «Novas Narrativas» que qualifiquem essas zonas enquanto produto turístico. Trata-se de dividir o território em Bairros que para serem marcados e identificados como produto de consumo turístico têm de levar uns implantes narrativos. É preciso inventar uma identidade mais ou menos autêntica, mais ou menos moderna, mais ou menos tradicional, mais ou menos criativa e, já agora, mais ou menos local, mais ou menos “cosmopolita” para cada um desses bairros. 

    Serão bairros temáticos, portanto. No fundo, não é nada de novo, as identidades falsificadas enquanto engodo turístico existem um pouco por todo o lado, desde do Portugal dos Pequenitos à Disneyland. A diferença é que desta vez vai-se fazer isto numa cidade com pessoas lá dentro. A ideia é manter e aumentar o nível de procura turística, diversificando a zona de expansão desta atividade. Claramente, para a CMP o caminho é só um: transformar toda a cidade numa cidade turística. Os residentes carecem de materialidade. Parecem, neste documento, entidades diáfanas, expectantes que uma narrativa ditada por um criativo qualquer lhes dê forma. Aquilo a que se chama locals. Um local não é um cidadão, não é um homem nem uma mulher, mas um adereço. Há momentos verdadeiramente confrangedores neste documento. Por um lado, define o perfil desejável do novo turista, o tal alvo da sedução das «novas narrativas», como sendo americano ou asiático, com grande poder de compra e sofisticação, com apetência por produtos de luxo. Um turista premium, portanto. Por outro lado, logo mais à frente diz que estes “Bairros” (honestamente o próprio documento não prescinde das aspas) têm como função

    criar experiências de turismo imersivo, pensadas para quem procura viver a cidade “Like a Local

    Ora, os locals, ao contrário do turista ideal, não são premium, são pessoas e apenas pessoas a viverem a sua vida, a maior parte das vezes, muito pouco sofisticada. Na verdade, um local é apenas uma pessoa turistificada pelo olhar do outro. Estávamos habituados que essa objectificação dos residentes fosse feita consciente ou inconscientemente pelo olhar do próprio turista ou das publicações especializadas como a Time Out. Ainda não estamos habituados a ser turistificados pelo olhar dos nossos próprios governantes. Isto, meus senhores, é uma nova etapa.

    Não se pode dizer, no entanto, que o documento passe completamente ao lado do bem estar da comunidade. Aliás, propõe-se a

    Incentivar a coesão da comunidade, promovendo atividades de lazer que garantam o intercâmbio cultural entre locais, turistas e expatriados

    como estratégia para priorizar o bem-estar da comunidade. O único momento em que o bem-estar dos residentes é tido em conta, é o momento em que nos é permitido participar nas atividades de lazer desenhadas para os turistas. É o momento “Que comam brioches” de Catarina Santos Cunha. Esta total falta de noção, de resto, está perfeitamente em linha com outros documentos produzidos pela CMP como, por exemplo, estudo Rank Porto 2023, usa como referência para avaliação da Qualidade de Vida na cidade do Porto, uma coisa que dá pelo nome «Índice Time Out City Life», um inquérito feito on-line (sabe-se lá com que rigor e em que condições) que abrange tópicos típicos de uma publicação centrada no lazer e turismo (restaurantes, bares,  espectáculos, etc…).

    Em momento algum, há, nesta “visão” espaço para ponderar os impactos do crescimento acelerado do turismo sobre a população e sobre o espaço físico. É um documento que define uma política pura e dura de promoção, crescimento e expansão da indústria turística na cidade. Procura acelerar e desenvolver o turismo até à sua consolidação, que nunca é definitiva porque o objectivo é entrarmos na fase do hamster preso na roda, que tem de manter o movimento e acelerar para se manter no mesmo sítio. O ciclo de Butler sugere que todas as cidades turísticas passam mais ou menos pelo mesmo ciclo evolutivo: 1º) Fase Exploratória; 2º) Fase de Envolvimento; 3º) Fase de Desenvolvimento; 4º) Fase de Consolidação; 5º) Fase de Estagnação; 6º) Fase de Rejuvenescimento Vs Declínio. Repare-se que neste modelo não se admite a possibilidade de um crescimento eterno do turismo. A partir da fase de Consolidação entramos em terreno crítico. Os destinos turísticos desgastam-se e os consumidores são infiéis por natureza. A partir daqui cada cidade, uma vez convertida em cidade turística, entrará num processo de constante reinvenção e renovação para evitar o declínio. Esta luta constante contra a inevitabilidade não se faz sem um forte investimento público e consumo de recursos da comunidade. Naturalmente, também não se faz sem qualquer impacto ambiental, social e humano. Seria importante tentar projectar que impactos seriam esses, assumi-los e trabalhar com todas as variáveis, em vez de se trabalhar com a crença de que a mão invisível do turista resolverá por si só todas estas questões. 

    Uma autarquia não pode apresentar como estratégica uma visão que aponta num único sentido: o incremento do turismo. Para isso existem os privados, as associações do sector ou até agências públicas especializadas. O que se espera dos governantes locais é que ao produzirem um documento que se apresenta uma visão sustentável do futuro do turismo na cidade, pelo menos, não obliterem o outro lado da questão. Este documento não responde às questões tão básicas e elementares como: Quantos turistas? Quantos hotéis? Em que zonas da cidades? Qual o limite de turistificação por cada “Bairro” (para usar a nomenclatura proposta)? Como se definem esses limites? Que propostas de medidas de mitigação dos impactos negativos? Ou todos os impactos são positivos? E já agora: Qual o plano B se a rota migratória dos turistas for desviada para outras paragens? Que cenários alternativos propõem? E como tudo tem o seu próprio tempo e nós enquanto cidade pós-industrial sabemos bem disso: Qual o plano para uma cidade pós-turística? O que fica depois de tudo isto passar? Diz Rui Moreira na cerimónia de apresentação da visão que, com a pandemia, ficamos a saber o que é a cidade sem turismo. Portanto, conclui ele que temos de apostar as fichas todas no turismo. Já quem não foi agraciado pela visão tenderá a divergir: a pandemia demonstrou a fragilidade da indústria do turismo, pelo que talvez não seja sensato apostar todo o nosso futuro no turismo.

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  • Apontadores sortidos

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  • Ponte D. Maria Pia

    Fará dia 04 de Novembro deste ano 146 anos de existência.
    Há 41 anos que é considerada Monumento Nacional.
    Nos últimos 32 apenas serve para paisagem.
    As últimas obras de manutenção foram há 14 anos.

    Um dia destes cai.

    Ontem foi dado seguimento à Notificação Judicial Avulsa pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, que abaixo descrevo.


    NOTIFICAÇÃO JUDICIAL AVULSA

    de

    DIREÇÃO-GERAL DO PATRIMÓNIO CULTURAL (DGPC), com o NIPC 600084914 e com sede no Palácio Nacional da Ajuda, 1349-021 Lisboa

    Nos termos e com os seguintes fundamentos:

    1.º
    O presente requerimento tem por objecto a falta de obras de conservação e a falta de condições de segurança e de salubridade da Ponta D. Maria Pia.

    2.º
    Nos termos do disposto nos arts. 1º e 2º do Decreto-Lei n.º 115/2012, de 25/05, a DGPC é um serviço central da administração directa do Estado, tendo por missão assegurar a gestão, salvaguarda, valorização, conservação e restauro dos bens que integrem o património cultural imóvel, móvel e imaterial do país.

    3.º
    A ponte D. Maria Pia, sita entre Fontainhas e Vila Nova de Gaia, foi classificada como Monumento de Interesse Nacional pelo Decreto-Lei n.º 28/82 de 26/02.

    4.º
    O art. 21.º, n. º1, al. b) da Lei n.º 107/2001 determina que é dever dos proprietários e titulares de outros direitos reais sobre imóveis classificados: “conservar, cuidar e proteger devidamente o bem, de forma a assegurar a sua integridade e a evitar a sua perda, destruição ou deterioração”.

    5.º
    Por outro lado, no âmbito do património imobiliário público, preceitua o art. 3.º do Decreto-Lei n.º 280/2007 que as entidades públicas devem pauta-se pelo Princípio da Boa Administração na gestão e utilização de imóveis públicos.


    Acontece que o R. não promoveu as obras de conservação necessárias na referida edificação.

    7.º
    Pelo que a Ponte D. Maria Pia não apresenta condições de segurança e salubridade.

    8.º
    Face à importância da referida construção na ligação da cidade do Porto à cidade Gaia, poderá estar em causa a vida de milhares de pessoas.

    Nestes termos e nos melhores de Direitos, requer-se, muito respeitosamente, a notificação judicial do Requerido, dando-lhe conhecimento que:
    – Deverá cumprir os seus deveres enquanto titular de direitos reais sobre imóveis classificados, designadamente, promovendo um auto de vistoria técnica realizado pelas entidades competentes.

    Mais se requer que a presente notificação seja efectuada por Funcionário de Justiça, ao abrigo do n.º 1 do artigo 256.º do CPC.


    A Política de Avestruz vai provavelmente continuar e não vai acontecer nada, o que é típico do nosso desgoverno, mas pelo menos obriga-se uma vez mais a quem tem responsabilidade a ter a oportunidade de tomar uma atitude.

    Não culpo apenas a DGPC ou o IP, nesta questão reparte-se igualmente pelas Autarquias e, ainda, por todos nós pela constante ausência.

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  • O Porto ao Abandono

    © Raquel Pinheiro

    Bem-vindo Norte.pt e parabéns aos editores por esta iniciativa. É bom ver por aqui veteranos dos tempos do A Baixa do Porto e quem mais se lhes juntar.

    © Raquel Pinheiro

    Se o Alexandre, independentemente de outros assuntos que possam vir a ser debatidos, tem dois temas trazidos sempre a discussão, a VCI e o seu esventrar a cidade, e o abandono votado à Ponte D. Maria I, eu tenho os meus três assuntos principais:

    • 1) O abandono, a todos os níveis, Abandono visível por toda a cidade (e não só)
    • 2) A dificuldade de mobilidade para os peões.
    • 3) O mal tratar os espaços verdes
    © Raquel Pinheiro

    Como não conduzo, ando frequentemente a pé. Nas minhas caminhadas deparo-me, amiúde, com casas, lojas, prédios abandonados. As razões serão muitas e complexas. No entanto é uma dor de alma olhar para este retrato tão triste da cidade, que se prolonga para fora dela.

    © Raquel Pinheiro

    Incomoda-me profundamente este estado de coisas. Muito mais quando, bastas vezes, ao lado de casas fechadas, vive gente na rua. Para o viver na rua as razões também são muitas e complexas.

    © Raquel Pinheiro

    Por certo haverá quem tenha melhores conhecimentos técnicos e sociais destas matérias e os possa elencar com mais propriedade. A mim, Move-me o melhoramento da cidade, do norte, do país, a habitabilidade e o cumprir da função de uma cidade do século XXI e o bem estar dos cidadãos. Os meus posta, passarão, sempre que possível, para além da escrita, ou quase por vez desta, por contribuições visuais.

    © Raquel Pinheiro
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  • Campanhã

    Esta freguesia, e consequentemente o Porto, estão há mais de 8 anos a suportar custos de oportunidade. O Município tem mantido empatada uma área de 30.000 m2 – o Matadouro – condicionando o desenvolvimento da freguesia e a expansão da cidade. Não há justificação plausível. Ao longo destes 8 anos a economia do Município manteve-se (aparentemente) em alta. Aliás, existiu flexibilidade para aquisição de teatros e cinemas, em locais da cidade cujo desenvolvimento já estava solidificado. Os investidores internacionais também se mantiveram sedentos de projetos por todo o mundo. Com um quadro tão favorável, não se compreende por que é que o Município adotou para o Matadouro uma solução que já tinha sido proposta há mais de 20 anos, inclusive com os mesmos intervenientes. Em consequência deixou esta parte da cidade em espera, e isso tem custos imensuráveis. Não vale a pena culpar o Tribunal de Contas. Uma leitura ao acórdão deixa claros os erros e os prejuízos a que o Porto se estava a sujeitar. É indescritível.

    Colmatar os custos de 8 anos de oportunidades perdidas exige que o Porto se reposicione, e pense para Campanhã um masterplan. Campanhã tem condições de ser a Green City do Porto. Reúne condições naturais para criar parque de inovação, nomeadamente biodiversidade, árvores, rios e baixa densidade habitacional por m2. As cidades desenvolvidas investem milhões para criar estes ambientes, que aqui são naturais. Reúne também condições para inovação social: passado industrial, pertença, localidade, população jovem e necessidade diária de soluções únicas. Todos estes recursos permitem explorar inovações tecnológicas e sociais, criar monitorizações, bases de dados, enfim soluções que não só solucionam os nossos problemas, como podem posteriormente ser exportadas. Portanto, é urgente que o Porto se deixe de facilitismos, de propagandas, e pense focar-se na exploração sustentável dos seus recursos, e não na sua destruição com construções massivas, réplicas das cidades em declínio. Temos que equipar a cidade para o século XXI.

    Um pequeno exemplo do quanto o Porto se desperdiça. Os parques de inovação de topo, de Eindhoven a Estocolmo, têm animais, ovelhas, porcos, galinhas, andam lá a par dos robôs autónomos, as suas funções são inúmeras. Os animais fazem parte da teoria de inovação das cidades sustentáveis do futuro. No Porto fizeram há tempos um artigo no jornal apontando que em Campanhã há cabras e porcos à solta, mas naquele tom de miséria mental política dos pobrezinhos e pastorinhos. Se há animais à solta em Campanhã, isso é um valor, e deve ser já aproveitado. E não explorado pela negativa…

    Ps. – Bem hajam pela abertura de uma plataforma livre de censura. Atualmente, o Município do Porto tem uma classificação insatisfatória no tocante ao debate público. No Portal da Queixa está classificado nos últimos lugares, não atende às queixas apresentadas, isto enquanto os cidadãos de Lisboa encontram nessa plataforma um meio rápido de resolver os seus problemas. Um Porto que não se debate é um Porto morto.

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  • Saudação de boas-vindas ao Norte.pt

    Sendo esta a minha publicação no norte.pt e tendo sido eu um leitor assíduo da “Baixa do Porto”, gostaria de deixar aqui a minha saudação de boas-vindas pelo nascimento desta nova plataforma de debate, necessária e pertinente, sobre questões de urbanismo, planeamento e não só relativas à cidade do Porto e à região Norte.

    Desde os anos em que o debate era feito na “Baixa do Porto” a cidade do Porto mudou de tal forma que a discussão sobre aqueles temas já não se pode focar apenas no território municipal. O êxodo de muita população e os movimentos pendulares diários impõem uma análise mais alargada.

    Curiosamente, esta análise passará sempre por muitos dos temas que marcaram regularmente o debate na “Baixa do Porto”, como o eterno estaleiro urbano, a especulação construtiva face ao espaço público e zonas verdes existentes, o trânsito e os transportes públicos, dos quais se destaca hoje como então o Metro do Porto que será, certamente, foco para muitas reflexões.

    O trânsito caótico do Porto na passada quarta-feira dia 11 à tarde, em grande parte devido ao abate preventivo de uma árvore na rotunda da Boavista, é exemplificativo dos problemas existentes na cidade, com a incapacidade dos transportes públicos em satisfazer as necessidades de grande parte da população e, a par, a inoperatividade da rede viária existente que levou à realização de desvios improváveis (vejam-se os autocarros vindos do Palácio de Cristal a transitarem pela Rua Guerra Junqueiro em alternativa ao seu trajecto normal pela Rua Júlio Dinis) sem a necessária informação a quem circulava na cidade.

    Por isto tudo, e porque o debate é cada vez mais necessário, desejo as maiores felicidades ao Norte.pt!

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  • Terminal de Passageiros no Douro

    Como está tudo quieto e não há manifestação aqui pelo “NORTE”, trago aqui um tema que julgo deveria ser do interesse geral.

    O assunto diz respeito ao Rio Douro e à sua exploração. Sou do tempo de assistir a uma grande azáfama junto ao rio, na altura de que o edifício da Alfândega ainda funcionava, que os Transportadores tinham a sua sede na Ribeira e que os barcos aqui aportavam quer ao cais do Porto como de Gaia. De repente tudo mudou, tudo passou para Leixões, Leça e claro Matosinhos, e o rio ficou votado ao abandono. Era triste de o ver sem barcos, sem movimento, sem pontes a cota baixa (como até hoje) e pejado nas suas margens de redutos de território, pertencentes à APDL, GNR e outras entidades que não vão embora, porque não largam o “osso” e mantêm pelas margens os seus quiosques quebrando a continuidade dos espaços públicos.

    Sempre me manifestei contra essa situação e a favor da navegabilidade do Douro, das suas travessias, sejam em pontes sejam em embarcações, no geral algo que lhe trouxesse vida. Por isso sou daqueles que ficou contente com a exploração do rio com fins turísticos e que, através da Douro Azul, veio animar e dar uso e turismo ao rio. Naturalmente temos que aturar com qualquer coisa, desde os Barcos Rabelos a Diesel, como até uma Nau Catrineta que por aí anda, e isto sem falar de um autocarro anfíbio muito mal caracterizado que mergulha nas suas águas.

    Surpreendentemente soube em tempos, como aliás o povo em geral, da existência de um projecto de um Terminal junto ao Cais do Cavaco. Projecto esse que é retratado na imagem que ilustra este post. Não vou falar do projecto em si, o que não é para aqui chamado, apenas da sua localização e uso no local que se encontra previsto.

    Compreende-se a necessidade de alocar um espaço adequado como Terminal de passageiros às embarcações que servem o Turismo, não apenas para ingresso dos passageiros porque para isso o actual local seria suficiente, mas principalmente para o resto das operações necessárias às embarcações. A este respeito haverá que perceber que é necessário abastecer e tratar os barcos, com os mais diversos equipamentos: Alimentos, Rouparia, limpeza, Manutenção geral desde picheleiros aos electricistas e carpinteiros, até à manutenção de sistemas, motores e outros, não esquecendo naturalmente os combustíveis. Enfim uma panóplia de operações constantes.

    Agora olhemos para a localização proposta e pensemos na movimentação que tais operações trazem para o cais previsto, ao qual teremos que acrescentar a chegada e partida de passageiros, o que deve significar de 4 a 8 camionetas de passageiros em simultâneo. Qualquer pessoa de bom senso olha para as infraestruturas existentes, desde os calibres das ruas envolventes e dos seus acessos, mais a completa ausência de estacionamento e o que é que conclui?  É este o Local indicado? Claro que não.

    E se acrescentar o facto de que o Terminal se encontrar localizado na zona mais estreita do rio, também tem qualquer sentido? Não.

    Vem isto a propósito da notícia hoje divulgada, cujo link aqui associo, de que os moradores do edifício mesmo em frente a quem este Terminal mal-educadamente se coloca à frente, estão a tentar impugnar a decisão juridicamente.  Mas os argumentos é que quanto a mim pecam por defeito. As principais razões deveriam ser as que acima expus e não o facto de que lhes tira a vista.

    Coisa do NORTE.

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  • Apontadores sortidos

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